São Paulo, segunda-feira, 09 de maio de 2005

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VINICIUS TORRES FREIRE

Celular é a mãe

SÃO PAULO - Houve um tempo em que escolas molestavam as crianças a aprender uma cançoneta medonha para o dia das mães, musiquinha que tratava de um "avental todo sujo de ovo" como virtude materna. Presente de mãe, o comércio marquetava, eram máquinas de costurar, lavar, secar, cozinhar e outros confortos modernos de cozinha e área de serviço. Agora, na publicidade, mães parecem em ansiedade histérica se não ganharem tal e qual celular.
Prefiro cozinhar e sujar meu avental de ovo a ser perseguido por celulares, mas a maioria das gentes gosta da maquininha. Neste ano, haverá tantos celulares no país como metade dos brasileiros. Há 5,5 milhões de carros em São Paulo e 8,5 milhões de celulares. Orelhas, cérebro e o tempo das pessoas estão congestionados.
Por que as pessoas gostam tanto desse telefone? O celular é um brinquedão. Já podemos carregar um microcomputador de mão com radiola eletrônica (MP3, iPod), máquina de fotos, joguinhos, miniTV, celular com programa de controle e espionagem dos filhos e toda a tralha nova que vierem a inventar. O celular ainda ajuda o sujeito a ser mais produtivo no trabalho, a arrumar mais negócios. Mas o auxílio à superexploração do trabalho explica a popularidade?
Como os sociólogos diziam antigamente, o celular talvez seja quase um fato social total. Talvez seja tão popular por ser um elemento de status. Há apenas três ou quatro faixas de consumo de carros, por exemplo. Roupas diferem cada vez menos as gentes, ainda mais em tempos de andrajos "street fashion" e informalidade crescente. O celular estratifica muito mais. Há modelos de dezenas a milhares de reais. O seu tira foto? O meu filma, dança quando toca e massageia a orelha.
Mas o que a maquineta parece satisfazer mesmo é a atualíssima ansiedade narcísica e infantil de ser atendido e ouvido, sem mais, a qualquer hora. Atenua a solidão, a miséria da subjetividade e das mentes que não sabem o que fazer em silêncio reflexivo, oferecendo fofoca, fetiches e relíquias vulgares em forma de fotos inúteis, música ruim e/ou mal ouvida. Sozinha, a maioria das pessoas parece não se suportar.

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