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VINICIUS TORRES FREIRE
Celular é a mãe
SÃO PAULO - Houve um tempo em
que escolas molestavam as crianças a
aprender uma cançoneta medonha
para o dia das mães, musiquinha que
tratava de um "avental todo sujo de
ovo" como virtude materna. Presente
de mãe, o comércio marquetava,
eram máquinas de costurar, lavar,
secar, cozinhar e outros confortos
modernos de cozinha e área de serviço. Agora, na publicidade, mães parecem em ansiedade histérica se não
ganharem tal e qual celular.
Prefiro cozinhar e sujar meu avental de ovo a ser perseguido por celulares, mas a maioria das gentes gosta
da maquininha. Neste ano, haverá
tantos celulares no país como metade
dos brasileiros. Há 5,5 milhões de carros em São Paulo e 8,5 milhões de celulares. Orelhas, cérebro e o tempo
das pessoas estão congestionados.
Por que as pessoas gostam tanto
desse telefone? O celular é um brinquedão. Já podemos carregar um microcomputador de mão com radiola
eletrônica (MP3, iPod), máquina de
fotos, joguinhos, miniTV, celular com
programa de controle e espionagem
dos filhos e toda a tralha nova que
vierem a inventar. O celular ainda
ajuda o sujeito a ser mais produtivo
no trabalho, a arrumar mais negócios. Mas o auxílio à superexploração
do trabalho explica a popularidade?
Como os sociólogos diziam antigamente, o celular talvez seja quase um
fato social total. Talvez seja tão popular por ser um elemento de status. Há
apenas três ou quatro faixas de consumo de carros, por exemplo. Roupas
diferem cada vez menos as gentes,
ainda mais em tempos de andrajos
"street fashion" e informalidade crescente. O celular estratifica muito
mais. Há modelos de dezenas a milhares de reais. O seu tira foto? O meu
filma, dança quando toca e massageia a orelha.
Mas o que a maquineta parece satisfazer mesmo é a atualíssima ansiedade narcísica e infantil de ser atendido e ouvido, sem mais, a qualquer
hora. Atenua a solidão, a miséria da
subjetividade e das mentes que não
sabem o que fazer em silêncio reflexivo, oferecendo fofoca, fetiches e relíquias vulgares em forma de fotos inúteis, música ruim e/ou mal ouvida.
Sozinha, a maioria das pessoas parece não se suportar.
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