São Paulo, segunda-feira, 09 de maio de 2005

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O show de cada dia

JORGE BORNHAUSEN


O presidente prometeu tantas coisas e, na hora de realizar, nada. Segue fazendo piadas, como em um palanque perpétuo
Todos os dias, chova ou faça sol, há um "one man show" no Palácio do Planalto. Os temas variam, mas a produção segue padrões altíssimos de custo, constroem-se cenários, mobilizam-se platéias sempre diferenciadas, "importadas" do país inteiro, com passagem e hospedagem pagas. Diferentes guichês -pode ser o Banco do Brasil, a Caixa Econômica, o Banco do Nordeste, o Incra, o Ministério da Saúde etc.- vazam, de algum fundo público (geralmente via agência de publicidade, que este é o governo que mais paga contas de propaganda), o dinheiro indispensável para comprar o espetáculo.
No show de cada dia, o produtor ou serviço público que o patrocine deve oferecer, "a título de sugestão", um texto, possivelmente escrito por ases da propaganda, para ser lido pelo presidente da República. É dinheiro perdido. Tudo indica que os textos jamais são utilizados, porque esse é o espaço de criatividade e expansão pessoal do "showman", dono do palco e do picadeiro: o presidente Lula não abre mão do direito de executar seus números de histrionismo.
Nessa hora, o que parece é que ele não ouve ninguém. Conta lenda dos corredores do Congresso que, antes de partir para o primeiro andar do Palácio, onde encontra à sua espera platéia, microfones e câmeras, o presidente Lula, para acalmar os colaboradores, usa a seguinte frase: "Confiem no meu taco".
Esses shows diários no Palácio do Planalto geram anedotas, chistes, inconveniências, gafes e as exclamações chulas com que o presidente da República está mantendo viva sua presença nos telejornais da TV e desenvolvendo o marketing da campanha para sua reeleição em 2006. Na minha atividade diuturna, ouvindo políticos e eleitores, impressiona-me a repercussão dessas aparições. O efeito eleitoral do presidente todo dia na TV é incomensurável e dificilmente será compensado por qualquer outro candidato.
Como presidente de um partido de oposição -oposição mesmo, sem conchavos ou negociações por debaixo do pano, claramente anunciada ainda em novembro de 2002, quando as urnas mal haviam sido apuradas e o PFL assumiu seu papel-, começo a avaliar que o tiro pode sair pela culatra: o show do presidente da República começa a expor seu lado populista, chulo e debochado. Perigosamente debochado, esse lado nada tem de simples, inocente ou ingênuo -atributos do homem comum.
Para muitos -e já ouvi observações nesse sentido-, Lula está, tanto repete suas impertinências, sugerindo que é assim que governa o país. O que a população espera dos governos não é isso. Governar é coisa séria, exige experiência acumulada, exige capacidade de administrar, exige conhecimento profundo da realidade do nosso povo.
O presidente prometeu tantas coisas e, na hora de realizar, nada. Segue fazendo piadas, como se estivesse em um palanque perpétuo. Por quê? Porque não há experiência, não há capacidade administrativa; ele não sabe como gerir o dinheiro do povo. Não passa pela sua cabeça a obrigação de devolver os recursos do povo na forma de obras públicas, de serviços públicos, de educação, de saúde, de transporte.
No episódio em que reclamou que o brasileiro não se levanta da cadeira para trocar de banco e experimentar menores tarifas e taxas de juros mais baixas, o presidente foi longe demais. Não apenas pela expressão chula que usou, anedótica, para ser explorada em piadas, mas por fazer pouco da grande maioria dos brasileiros. O presidente demonstrou desconhecimento dos obstáculos enfrentados pela maioria dos brasileiros e dos problemas enfrentados pelos empresários, num país em que o crédito é difícil, seletivo e submete o tomador às piores contingências.
Ele sugeriu, por ignorância, má-fé ou humor negro de "showman" para despertar sua platéia, que os juros e as tarifas não refletem as variáveis da economia, mas dependem apenas do público, que deve acirrar a concorrência entre os bancos.
Não sei não, não sou profeta, mas sou político e estou na rua. Por isso, peço que anotem: esse número do "showman" Lula pode ter sepultado definitivamente a reeleição do presidente Lula. Veremos em 2006.
Jorge Konder Bornhausen, 67, é senador pelo PFL-SC e presidente nacional do partido. Foi governador de Santa Catarina (1979-82) e ministro da Educação (governo Sarney) e da Secretaria de Governo da Presidência da República (governo Collor).

bornhausen@senador.gov.br


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