São Paulo, domingo, 09 de junho de 2002

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CARLOS HEITOR CONY

A renda e a banana

RIO DE JANEIRO - Durante os 21 anos de regime militar, era comum ouvirmos a advertência de que eleição atrapalhava a vida do país. Que diabo, estava tudo bem, o país em ordem, crescendo em taxas nunca vistas, o milagre brasileiro em toda a sua glória.
E vinham uns subversivos, uns maus patriotas, uns vendidos ao ouro de Moscou e de Havana falar em eleições livres, em consulta ao povo. Para quê, se tudo estava bem?
Com outras palavras, mas com o mesmo sentido, o presidente do Banco Central e o governo como um todo repetem a mesma lengalenga. As turbulências do mercado, que ameaçam jogar o Brasil no mesmo poço sem fundo da Argentina, são devidas às eleições marcadas para outubro. E, principalmente, à suspeita de que o atual conjunto de forças no poder seja alterado por um grupo que não inspira confiança ao FMI e ao Consenso de Washington.
De duas uma: ou cancelamos as eleições, de forma a continuar inspirando confiança ""lá fora", ou damos um jeito de nenhum partido de oposição chegar ao poder. Caso contrário, o melhor mesmo é sair de baixo.
Não adianta Lula jurar pelas barbas do profeta ou pelas próprias barbas que vai respeitar o jogo, que não bagunçará o coreto montado para animar a grande festa do neoliberalismo.
Nesse particular, o Banco Central exerce realmente uma função centralizadora, pois exprime a inquietude do capital estrangeiro e o pânico dos empresários nacionais, que, em linhas gerais, temem qualquer alteração na regra que predominou nestes últimos oito anos de FHC.
A concentração de renda não envergonha a ninguém, pelo contrário, é motivo de glória. Se um banco pode ganhar 3.000 por cento num exercício, por que baixar esse índice colossal para os 12% ou mesmo 24%? Onde está a lógica desta operação macabra que apunhala o capital?
O Banco Central está aí para isso mesmo, para centralizar a renda na mão dos capazes e dar uma banana para o resto.


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