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VINICIUS TORRES FREIRE
O mundo de Lula
SÃO PAULO - Lula fala muito. Há coisa de um mês, uma colega deste
jornal chamou-me a atenção para o
"mundo de Lula", os discursos em
que mistura personalismo, voluntarismo messiânico e estilo proverbial
de manual de auto-ajuda.
Um radical de cátedra, o filósofo da
USP Paulo Arantes, observou em palestra reportada na Folha de ontem
que a forma dos discursos de Lula é
pontuada por "provérbios congeladores e imbecilizadores".
Lula fala muito de deus, da vida
pobre, que vai cuidar do povo como
filho, "24 horas por dia", para justificar a esperança projetada nele. Diz
até que vai fazer o sertão virar mar.
Gosta de contato direto com o povo,
leva conversas de compadre com ex-colegas de fábrica.
Lula envolve numa névoa de cordialidade ("companheirismo"?) e começa a manipular sindicatos (CUT),
associações de empresários e de intelectuais. Cria apêndices sociais do poder, como o conselho de desenvolvimento social que nomeou.
Intelectuais simpatizantes, como
Marilena Chaui, abdicam da condição de intelectual e adotam a conversa de comadre áulica ("Vou dar um
puxão de orelha no presidente", disse
Chaui antes de recente reunião com
Lula). Outros, adeptos algo messiânicos do "inteiramente outro", como
Arantes, "desistem" do governo lançando-lhe a maldição da catástrofe
inevitável. A política vai para o ralo.
Como bichos que envenenam suas
presas a fim de dissolver-lhes entranhas e espinha para melhor engoli-las, Lula dissolveu a política no PT.
Fez-se caudilho-candidato eterno e
único do partido. Agora, procura dissolver a intermediação política e organizações civis no caldo da "esperança" e da sua matreirice cordial.
Lula, com sua força de vontade de
"self made man" do Quarto Mundo,
prescinde da política, do diálogo que
mantém as diferenças entre as partes,
da democratização. As soluções estão
dadas, basta confiar nele, o eleito não
pelos cidadãos, mas pela "excepcional conjuntura histórica" de fé e de
esperança no novo pai dos pobres.
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