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CARLOS HEITOR CONY
No banco dos réus
RIO DE JANEIRO - Cavacos do ofício me obrigavam, volta e meia, a comparecer às varas criminais do foro local. Processos os mais variados, nos
quais às vezes funcionava como réu
ou como testemunha da defesa ou da
acusação, funções que procuro desempenhar civicamente, intimado ou
convidado pelos meritíssimos.
Já se deu, inclusive, que, num mesmo processo, funcionei como testemunha de defesa e de acusação: um
rapaz que se entupiu de cocaína e
matou um oficial da Marinha numa
sexta-feira da Paixão. Entrevistei o
criminoso na delegacia, encontrei-o
no chão, em crise de dependência,
uma baba incolor escorrendo das narinas, a língua duas vezes maior do
que a boca, o pulso a zero, os guardas
que o detinham não sabiam o que fazer. Descrevi o episódio numa reportagem. Tanto o promotor como os
advogados de defesa apelaram para
o meu testemunho.
Há tempos, já na incômoda e habitual condição de réu, lá fui sentar o
cansado corpo naquele banco que o
lugar-comum chama dos réus, e é dos
réus mesmo: duro, abaixo do nível da
sala, para esmagar o criminoso moral e topograficamente.
Um processo reles, desses que a profissão me arrasta comumente. Na audiência, era ouvida a testemunha arrolada por meu advogado. O juiz era
um simpático velhinho, desses que a
gostaríamos de ter como tio-avô ou
padrinho, calejado no ofício de julgar
humanos delitos e que, com a sabedoria da idade e da profissão, antes
de terminar o processo já dera a devida desimportância aquilo que os juristas chamam de "fulcro penal".
No meio da audiência, entrou um
rapaz trazendo uns cartões: era o resultado do jogo do bicho. Sua Excelência interrompeu o depoimento da
testemunha para verificar se acertara
alguma coisa, uma centena cercada
pelos sete lados. Comentou em voz alta que já gastara uma fortuna com os
bichinhos, mal e porcamente pegava
uma dezena mixuruca. Mas conhecia um sujeito que já ganhara no milhar 13 vezes. E declarou para culpados e inocentes: "Não há justiça nesse
mundo!".
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