São Paulo, terça-feira, 09 de julho de 2002 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Campanha para inglês ver
JAMES LOUIS CAVALLARO e ISABEL PERES
De fato, isso foi o que também constatou Nigel Rodley, então relator especial da ONU sobre a tortura, durante as três semanas que passou no Brasil, entre agosto e setembro de 2000. O relator da ONU, nesse curto espaço de tempo, pôde coletar indícios e provas em 348 casos de tortura, que constam do seu relatório sobre a visita, lançado durante sessão da Comissão de Direitos Humanos da ONU em abril do ano passado. Como resposta a esse relatório, assim como às recomendações do Comitê contra a Tortura, o governo federal lançou uma campanha para combater a tortura. Mas, em vez de enfatizar políticas de apuração, investigação e punição dos responsáveis pela prática da tortura, o enfoque principal da campanha governamental, pelo menos na primeira fase, foi a criação e a manutenção de um serviço de disque-denúncia nacional. Em quase oito meses de funcionamento, o disque-denúncia recebeu 944 denúncias de tortura praticada por agentes públicos dos 26 Estados e do Distrito Federal. Cabe questionar se o disque-denúncia tem sido eficaz, pois o mesmo só funciona durante o horário comercial e contabilizou uma média de 120 denúncias por mês em todo o território nacional. Já a Pastoral Carcerária e a Acat (Ação dos Cristãos para a Abolição da Tortura), duas instituições com orçamentos modestos, conseguiram documentar, só em São Paulo, em dois anos, incidentes de tortura envolvendo aproximadamente 4.000 vítimas. Mais preocupante, porém, é o que tem acontecido (ou o que não tem acontecido) após o registro da denúncia. A falha do combate à tortura não reside na falta de denúncias, mas na ausência de investigação eficaz e de processos jurídicos isentos para condenar os que praticam esse crime. As entidades da sociedade civil, assim como a ONU, vêm apontando que, para responder ao problema da impunidade -principal causa dos altos índices de tortura no país-, seria preciso tomar medidas corajosas e com alto custo político, como: acabar com o inquérito policial; garantir a presença de um advogado e/ou de uma câmera de vídeo em toda a sessão de interrogatório de réu ou preso; criar grupos especiais de combate à tortura nos Ministérios Públicos estaduais e Federal; modificar a jurisprudência nacional sobre o ônus da prova em casos de tortura; federalizar os graves crimes contra os direitos humanos. Para o governo, contudo, resulta muito mais fácil a mera criação de um serviço anônimo de disque-denúncia. De fato, o governo só elaborou a campanha como resposta à visita e ao relatório contundente do relator especial da ONU, o inglês Nigel Rodley. Diante dos resultados duvidosos e da prevalência da prática da tortura no Brasil, cabe perguntar se essa também não se trata de uma campanha feita para inglês ver. James Louis Cavallaro, 39, advogado norte-americano, é diretor-executivo do Centro de Justiça Global. Foi diretor da Human Rights Watch no Brasil (1991-99). Isabel Peres, 64, é presidente nacional da Acat (Ação dos Cristãos para a Abolição da Tortura). Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Milú Villela: A seleção do social Próximo Texto: Painel do Leitor Índice |
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