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O castelo e o colete
CARLOS HEITOR CONY
Brissac - Os trancos da vida e do ofício me trouxeram até aqui, um castelo
do século 17 que, ao contrário dos
equivalentes ingleses, não tem nenhum fantasma. A rigor, passará a ter
a partir de agora. Dormi esta noite na
cama em que dormia Luiz 13 e de duas
uma: ou a história da França não será
mais a mesma ou a minha própria
história será diferente.
É possível também que nada aconteça e tudo continue como antes, a França e eu. O certo é que não tinha nada a
fazer aqui, podia ter ficado quieto no
meu canto, mas decidi experimentar.
De uns tempos para cá venho me
sentindo como uma espécie de fantasma, um ectoplasma que flutua por aí
sem se apegar a nada, servindo apenas
para espantar ou irritar os outros, a
mim mesmo em primeiro lugar.
Fantasma sem castelo é pior do que
camponês sem terra. Daí que aceitei o
convite para visitar o castelo de Brissac ao preço de algumas fotos que farão excelente contraponto com as de
Adriane Galisteu, que andou também
por aqui, não sei se dormiu na mesma
cama de Luiz 13. Se dormiu, não foi na
mesma noite.
Pelo menos, no espaço de míseros
quatro dias, fui um fantasma afortunado, andando pelos corredores daqui, pisando tábuas seculares, e se não
arrastei correntes nem andei com minha cabeça debaixo do braço, me senti
em parte realizado.
Venho fazendo coisas que não fazia
-daí que suspeito que me tornei fantasma de mim mesmo e é bom que experimente um castelo de verdade. Conheço alguns fantasmas aí no Brasil
que, além de não terem castelo, nem
sabem que são fantasmas.
O mais extravagante de tudo é que
na primeira noite na tal cama de Luiz
13 fui sonhar com o Ziraldo. Ele tentava me convencer a usar coletes. Não
lembro os argumentos que dei para recusar a sugestão. Pior do que fantasma sem castelo deve ser um fantasma
de colete.
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