|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
As torres e a construção da cidade
JOSÉ EDUARDO DE ASSIS LEFÈVRE
A torre do Masp seria só um monumento à incapacidade de gerar e gerir recursos para a sobrevivência e o crescimento do museu
A POLÊMICA a respeito da proposta de construção de uma
torre-mirante pelo Masp, ao
lado de seu edifício-sede, tornar-se-á
enfadonha se se limitar à simples repetição dos mesmos argumentos já
ditos e explicitados.
As idéias e justificativas apresentadas pelo ilustre cardiologista Adib Jatene em artigos publicados em 24/2 e
em 12/7 do ano passado foram complementadas em 14/9, após minha
resposta, publicada em 28/7 -sempre neste prestigioso jornal.
Para não ficar o dr. Jatene sem a
merecida resposta, volto ao assunto,
não para repetir os mesmos argumentos por mim expostos anteriormente, mas para acrescentar outros,
não apresentados naquela ocasião
por exigüidade de espaço.
A construção do espaço das cidades
é feita por todos aqueles que nele intervêm, dos construtores de edifícios
aos colocadores de anúncios. O resultado das diversas intervenções pode
ser mais ou menos feliz, dependendo
da sensibilidade dos seus autores e
da integridade e da qualidade dessas
intervenções.
Mas a análise e a crítica do ambiente urbano é foco de trabalho de especialistas em diferentes campos específicos de conhecimento, objeto de
trabalho de mestrados, doutorados,
livre-docências, titulações e também
de pesquisas não-universitárias.
Longe de esnobismo ou pedantismo, esse conhecimento se consolidou
ao longo do tempo, desde a Antigüidade, pela atuação de pessoas tão díspares no tempo e na qualidade de suas
contribuições como Vitrúvio, Alberti,
Camilo Sitte, Ebenezer Howard, Gordon Cullen, Kevin Lynch, Giulio Carlo Argan, entre outros. Nomes familiares aos arquitetos e, na sua maioria,
desconhecidos do público leigo.
Além do problema de escala, já cansativamente analisado, o aspecto
mais negativo da torre proposta pelo
Masp é o seu decoro. Esse termo tem
origem no vocábulo latino "decorum", que significa adequação, propriedade.
O espaço da cidade é o espaço da representação, da simbologia e do significado dos diversos elementos presentes nesse espaço. A igreja, o poder
civil, as diversas instituições da sociedade se ocuparam em inserir no ambiente urbano, ao longo do tempo,
elementos que marcassem a sua presença e a sua importância.
Ao se tombar o edifício-sede do
Masp, além do edifício propriamente
dito -ou seja, a sua materialidade-,
estava se consagrando a imagem de
uma instituição cultural de caráter
excepcional, identificada com a imagem de uma arquitetura que também
é excepcional.
Ao se misturar a imagem do Masp
com a imagem de uma empresa comercial, está se amesquinhando uma
instituição que não é uma simples
empresa privada, mas uma instituição que pertence à população paulista
e paulistana, desde o solo em que foi
erguida, que é municipal, às verbas
para a sua construção e boa parte de
sua manutenção. Ou seja, não é adequado, não é próprio.
O eventual uso turístico da vista do
alto da torre, de proporções modestas, não faz parte das atividades-fim
do museu. A torre seria assim apenas
um monumento à incapacidade de
gerar e gerir recursos para a sobrevivência e o crescimento do museu.
Pelo exposto até aqui, se percebe
que a questão da proposta da torre
não é apenas a questão da autoria de
seu projeto. Não se resolveria com outro projeto para o mesmo local, realizado por outro arquiteto, pois a questão vai além desse ponto. Trata-se do
significado da torre.
Nada haveria, no entanto, contra a
substituição do velho edifício Dumont-Adams por outro edifício, comercial ou residencial, pois edifícios
fazem parte do panorama e do ambiente da avenida Paulista, e sua imagem não concorre e não viria a concorrer com a imagem do museu, fazem parte do pano de fundo.
Outro ponto ressaltado pelo dr. Jatene diz respeito à aprovação, pelo
Condephaat (conselho estadual de
defesa do patrimônio histórico), de
proposta para execução de uma antena sobre a cobertura da torre que o
Masp pretende construir.
De fato, de acordo com a informação que tivemos, ocorreu essa aprovação. Sem que, no entanto, o assunto
tivesse sido discutido especificamente pelo plenário do conselho, tendo
feito parte de um conjunto de propostas para áreas envoltórias de bens
tombados, com parecer técnico favorável, e aprovadas em bloco.
Esta minha manifestação também
é feita com o maior respeito às opiniões contrárias às idéias aqui expostas, ressaltando que estas são questões em que não devem preponderar
razões de amizade, mas sim de análise
crítica.
JOSÉ EDUARDO DE ASSIS LEFÈVRE, 63, arquiteto, professor doutor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
da USP, é presidente do Conpresp (Conselho Municipal de
Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo).
Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Luiz Marinho: Política de valorização do mínimo Próximo Texto: Painel do Leitor Índice
|