São Paulo, domingo, 10 de fevereiro de 2008

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CARLOS HEITOR CONY

A farra dos lápis

RIO DE JANEIRO - Rubem Braga estava sozinho numa cidade do interior e sentiu falta de mulher. Informou-se e foi dar com os costados e o desejo num bar onde profissionais da noite faziam ponto. Bebeu um pouco para calibrar e se encher de coragem, escolheu uma delas, muito jovem e tímida. Perguntou quanto custava, ela respondeu de cabeça baixa: 32,50. Rubem reclamou: "Minha filha, isso não é preço de michê, é conta de telefone".
Lembro a história do mestre a propósito do novo escândalo que está sacudindo a nossa vida pública. Autoridades e funcionários categorizados fizeram uso do cartão corporativo e parece que tudo terminará numa CPI que se arrastará o ano todo. Evidente que houve casos escabrosos, gente de primeiro escalão pagando aluguel de carro e hotéis cinco estrelas com dinheiro funcional.
Mas o que está vindo a público são despesas menores, uma delas, de R$ 4,40, parece compra de um maço de cigarros, e não uma corrupção das piores. É bem verdade que cada tostão do governo gasto indevidamente configura um abuso de autoridade ou mesmo um crime contra o erário da nação.
Num ano qualquer da República Velha, quando o morro do Castelo foi desmontado aqui no Rio, houve uma sucessão de escândalos com o aluguel de burros que puxavam carroças com a terra removida, que formaria a ponta do Calabouço, onde hoje se situa o aeroporto Santos Dumont.
Um dos empreiteiros comprou um castelo na Espanha. Roubou-se muito à custa dos burros, que nada reclamavam. Quem reclamou foi uma autoridade municipal, que examinou as contas das empreiteiras e descobriu que engenheiros e operários gastavam lápis demais para os apontamentos. Houve inquéritos e demissões, a bem do serviço público, pela farra dos lápis.


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