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CARLOS HEITOR CONY
A lenha e a depressão
RIO DE JANEIRO - Em carta angustiada, Simone de Beauvoir queixou-se a Sartre de que estava deprimida. Problemas pessoais e existenciais davam-lhe insônia, ela tomava toneladas de valium (o remédio da moda), a ansiedade não passava.
Recorria ao amigo e amante, esperava dele uma dissertação erudita sobre como curar o seu mal, imaginava uma carta com citações de
Heidegger, Husserl, Kierkegaard
ou mesmo, quem sabe, de Descartes ou Platão.
Numa resposta curta, Sartre respondeu: "Se você tivesse de serrar
lenha, não estaria deprimida". Fez
outras breves considerações sobre
a desnecessidade da angústia e terminou o bilhete sem mandar as
saudações de praxe. Apenas o conselho: "Vá serrar. E tudo passará".
Recebo de leitora anônima carta
mais ou menos extensa dando conta da depressão causada em duas
frentes: briga com o noivo (pelos
detalhes, bem mais do que noivo) e
crise do PT. Ela perde noites de sono sem saber se reata com um e se
vota no outro. Ambos a decepcionaram e ela não sabe o que fazer. Sofre
e toma lexotan -que está mais em
moda do que o valium que a Simone
de Beauvoir tomava.
Não sou Sartre para lhe dar conselhos. Além do mais, ela mora em
apartamento moderno na Barra da
Tijuca, sem lareira e com fogão a
gás, de maneira que não posso dar o
conselho de mandá-la serrar lenha.
Sugeri a ela algumas opções inocentes, embora sem a utilidade doméstica da lenha que aquece as casas e acende o fogão onde se prepara a comida. Entre as sugestões que
dei, duas me pareceram oportunas:
colecionar figurinhas dos jogadores
da Copa ou criar uma ONG para
tampar os buracos da rua Voluntários da Pátria.
A primeira é lúdica, a segunda é
prática. Não haverá depressão que
resista aos dois desafios.
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