São Paulo, sábado, 10 de junho de 2006

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CARLOS HEITOR CONY

A lenha e a depressão

RIO DE JANEIRO - Em carta angustiada, Simone de Beauvoir queixou-se a Sartre de que estava deprimida. Problemas pessoais e existenciais davam-lhe insônia, ela tomava toneladas de valium (o remédio da moda), a ansiedade não passava.
Recorria ao amigo e amante, esperava dele uma dissertação erudita sobre como curar o seu mal, imaginava uma carta com citações de Heidegger, Husserl, Kierkegaard ou mesmo, quem sabe, de Descartes ou Platão.
Numa resposta curta, Sartre respondeu: "Se você tivesse de serrar lenha, não estaria deprimida". Fez outras breves considerações sobre a desnecessidade da angústia e terminou o bilhete sem mandar as saudações de praxe. Apenas o conselho: "Vá serrar. E tudo passará".
Recebo de leitora anônima carta mais ou menos extensa dando conta da depressão causada em duas frentes: briga com o noivo (pelos detalhes, bem mais do que noivo) e crise do PT. Ela perde noites de sono sem saber se reata com um e se vota no outro. Ambos a decepcionaram e ela não sabe o que fazer. Sofre e toma lexotan -que está mais em moda do que o valium que a Simone de Beauvoir tomava.
Não sou Sartre para lhe dar conselhos. Além do mais, ela mora em apartamento moderno na Barra da Tijuca, sem lareira e com fogão a gás, de maneira que não posso dar o conselho de mandá-la serrar lenha.
Sugeri a ela algumas opções inocentes, embora sem a utilidade doméstica da lenha que aquece as casas e acende o fogão onde se prepara a comida. Entre as sugestões que dei, duas me pareceram oportunas: colecionar figurinhas dos jogadores da Copa ou criar uma ONG para tampar os buracos da rua Voluntários da Pátria.
A primeira é lúdica, a segunda é prática. Não haverá depressão que resista aos dois desafios.


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