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Medicina alternativa
VICENTE AMATO NETO e JACYR PASTERNAK
A função das agências é salvaguardar a saúde pública, impedindo o emprego de remédios ineficientes ou prejudiciais
A MEDICINA COMO arte é milenar ou até mais que milenar:
assim que os primeiros primatas com consciência perceberam que
existiam doenças, alguns passaram a
atender os pacientes com invocações
aos deuses, orações e mezinhas. Na
verdade, o uso de medicamentos parece preceder a diferenciação entre
nosso antepassado comum aos humanos e chimpanzés. Estes, quando
doentes, vão procurar algumas plantas que normalmente não consomem,
sendo portanto os únicos animais,
além de nós, que usam remédios.
A medicina como ciência é algo
muito mais recente. A data exata na
qual deixou de ser só arte e passou a
ser ciência é discutida, mas provavelmente data da vacina antivaríola de
Jenner ou da descoberta dos germes
por Pasteur. Como ciência, por conseqüência, é muito recente, tanto que
foi batizada por Lewis Thomas de
"The youngest science".
Mesmo nesse período relativamente breve, a medicina científica conseguiu impressionantes progressos, a
ponto de nem imaginarmos como foi
possível sobreviver nos tempos em
que não existiam vacinas contra poliomielite e tétano, nem antibióticos.
Depois que a medicina virou algo
científico, as exigências quanto à qualificação de remédios e tratamentos
como eficientes aumentaram muito.
Hoje está claro, para as agências reguladoras e a maior parte da comunidade médica, que o uso de alguma droga
ou terapêutica está sujeito a observações bem conduzidas, para as quais
existem até hierarquias: estudos randomizados duplo-cegos são mais convincentes que estudos comparativos
não-randomizados, que por sua vez
ganham melhor evidência quando
confrontados com os caso/controle e
assim vai, até os menos valorizados,
os tais que se baseiam na famosa frase
"na minha experiência...".
Experiência conta sim em medicina, mas apenas como indicativo de
que algo existe, se não depender de
estudos adequadamente conduzidos.
O licenciamento de medicamentos
e da aplicação de instrumentos é embasado em pesquisas cientificamente
bem elaboradas, e os órgãos regulatórios de qualquer lugar -FDA (Food
and Drug Administration) nos Estados Unidos, a congênere européia e a
nossa Anvisa (Agência Nacional de
Vigilância Sanitária)- só liberam sua
utilização após publicações em literatura especializada, além de avaliação
do valor pertinente.
A função de tais setores é salvaguardar a saúde pública, impedindo o emprego de remédios ineficientes ou
prejudiciais. Não podemos exigir que
leigos saibam escolher medicamentos e avaliar criticamente seus benefícios e desvantagens -para isso, é preciso ter cursos superiores de medicina ou farmácia.
Curiosamente, não há a mesma impertinência nem o mesmo cuidado
com as medicinas ditas alternativas,
sem base científica, e que não mostram investigações adequadamente
encaminhadas, baseando-se, se podemos chamar isso de embasamento,
em testemunhos e práticas pessoais.
A FDA tem uma restrição à sua
atuação por lei do Congresso americano, que impede que ela avalie o que
eles chamam de "suplementos nutricionais", constituindo deliberação
que justifica piada de Mark Twain:
"Temos o melhor Congresso que o dinheiro pode comprar". Isso provavelmente aplica-se a colegiados de outros países que preferimos não citar.
A Anvisa não acolhe essa restrição,
pelo menos por enquanto, mas não
coíbe a divulgação, como outrossim o
uso, de mezinhas, chazinhos, extratos
de plantas nativas ou exóticas, pajelanças e coisas do mesmo naipe, permitindo que fiquem livremente comercializadas. Proteção ao público?
Não, a preocupação da Anvisa é
proibir o emprego de remédios perfeitamente úteis, com excelente documentação de eficiência, que não pedem e não pagam o famoso registro,
além de impedir a aplicação, no Brasil, de excelentes testes laboratoriais
pelo mesmo motivo.
Igualmente, a Anvisa consegue,
com suas freqüentes e irritantes greves, desabastecer o mercado de medicamentos e reativos, prejudicando
pacientes -mas parece que isto também não a preocupa...
VICENTE AMATO, 78, médico infectologista, é professor
da Faculdade de Medicina da USP.
JACYR PASTERNAK, 66, médico infectologista, é doutor
em medicina pela Unicamp.
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