UOL




São Paulo, sexta-feira, 10 de outubro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A FORMA DO UNIVERSO

No que teria sido uma das mais importantes descobertas científicas dos últimos cem anos, astrofísicos afirmaram que o Universo é finito e tem a forma de uma bola de futebol (um dodecaedro). O "paper" em que os pesquisadores anunciaram sua teoria, publicado na edição de anteontem da revista "Nature", não ficou muitas horas sem sofrer forte contestação. Um outro grupo de cientistas, que trabalha com os mesmos dados da primeira equipe, afirma estar concluindo um estudo que descarta a hipótese do Universo futebolístico, assim como a do Universo em forma de "rosquinha".
Ambos os grupos e vários outros fazem seus cálculos e elaboram suas teorias a partir de medições da radiação cósmica de fundo, isto é, a partir de variações mínimas na temperatura das microondas que teriam se formado nos primórdios do Universo. A idéia central é que as diferenças de temperatura permitem estimar a densidade do Cosmo e, a partir daí, pode-se inferir sua extensão e forma.
Apesar de os instrumentos para medir essa radiação estarem se sofisticando, seria precipitado apostar desde já num modelo qualquer. Em 2000, os indícios apontavam para um Universo plano e infinito. Agora, parecem indicar um Cosmo fechado (finito). Conjeturas sobre sua topologia (forma) são ainda mais problemáticas, como mostrou o caso e o ocaso do Universo em forma de bola.
O bonito nas teorias cosmológicas é que elas são ciência em estado bruto. Operam em escalas incompatíveis com qualquer propósito prático. Não chega a ser confortador descobrir que, se caminhássemos à velocidade da luz numa direção, acabaríamos voltando ao ponto de partida, 74 bilhões de anos depois. Para os que insistem em aplicações concretas, um Cosmo fechado e curvo é compatível com viagens no tempo através de atalhos dimensionais, que pressupõem um espaço retorcido.
Num sentido mais profundo, essas teorias servem para pontuar a nossa ignorância. É verdade que, nos últimos 80 anos, aprendemos mais sobre o Universo do que em qualquer outro período. E nossas teorias já não são puramente especulativas como o eram até o século 18. Elas agora podem ser testadas empírica e matematicamente. Apesar desses notáveis avanços, todas nossas hipóteses esbarram no Big Bang, a explosão primordial que teria dado origem a toda a matéria e energia existentes. O Big Bang, que vem sobrevivendo relativamente intacto a todo tipo de medição e cálculo, permanece como uma singularidade além da qual não nos é dado conhecer coisa alguma.
Em termos filosóficos, porém, continua perfeitamente lícito perguntar pelo que havia antes ou em volta do ponto de densidade infinita que há uns 15 bilhões de anos "resolveu" explodir dando origem a tudo. Essa singularidade, que tanto incomoda cosmólogos e filósofos, mas conta com o apoio entusiasmado da Igreja Católica (o Vaticano pronunciou-se favoravelmente ao Big Bang já em 1951), é a um só tempo a grande descoberta e a grande barreira.
Num certo sentido, continuamos tão ignorantes quanto o primeiro filósofo que se perguntou pela origem de tudo ou o primeiro sacerdote que inventou a primeira mitologia.


Texto Anterior: Editoriais: EUFORIA
Próximo Texto: São Paulo - Clóvis Rossi: O Brasil é uma fraude
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.