São Paulo, segunda-feira, 10 de outubro de 2005

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VINICIUS TORRES FREIRE

No país dos aprendizes

SÃO PAULO - Faz dias sai nos jornais paulistas um anúncio em que uma universidade privada de São Paulo se autocongratula pela sua qualidade, evidenciada no sucesso de seus alunos, bicampeões do programa de TV, dito "reality show", "O Aprendiz". Poderia ser pior, cumprimentos para a vencedora do concurso para a nova morena do "Tchan". Mas a piada tem graça?
"O Aprendiz" é uma paródia involuntária dos disputadíssimos e alucinados programas de "trainees". Em muitas empresas, os jovens, após anos de vestibular e MBA, ainda devem demonstrar servilismo diante da moda "corporativa", comer cobras na selva e se passarem por atores canastrões em "dinâmicas de grupo".
O ápice do "reality show" é o momento em que o empresário "big boss" enuncia com circunspecção kitsch a frase "você está demitido". Trata-se de coisa séria. O sobrevivente ganha um raro emprego e, melhor, a chance de se tornar celebridade instantânea. É como ganhar na megasena dos deserdados da sorte, da cultura ou dos escrúpulos do bom gosto.
Programas desse tipo são sucesso no mundo todo. Mesmo em países de meritocracia organizada, há muitos deserdados do sucesso, da inteligência e de capital social suficientes para subir na vida, público desses shows de realidade. No Brasil, trata-se quase da população inteira. Mas, num país tão precário e analfabeto, em vez de atingir mais gente do povo, o salve-se quem puder dos "realities" pega a classe média alta também.
O anúncio da universidade lembra um outro, "um sítio no melhor estilo "Caras'", que apareceu em jornais faz uns anos. A ostentação caricata, assunto da revista, tornava-se um padrão estético que teria até realizações supremas. Mas o sucesso desalmado, a ignorância espessa e o arrivismo se difundem sem parar, é um clichê.
Interessante é considerar o nosso padrão formativo de vulgaridade, este país que pulou do analfabetismo para a era da TV sem passar pela era morta da formação e das letras. O presidente mesmo se felicita como exemplo de "determinação", de "como chegar lá" (o sucesso vazio), diante de platéias juvenis. Num país em que a elite se limita a ser "Caras", o presidente é o maior aprendiz.

vinit@uol.com.br

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