São Paulo, segunda-feira, 10 de outubro de 2005

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JOÃO SAYAD

Buraco negro

Em 1994, foi a taxa de câmbio. Contra a opinião de todos, o Banco Central manteve a taxa cambial sobrevalorizada por quatro anos em nome do combate à inflação.
Para combater a inflação, bastaria manter a taxa de câmbio estável (R$ 3 por dólar, por exemplo). Não era preciso manter o dólar barato (R$ 1 por dólar). Economistas de fora e de dentro do governo criticaram a fixação da taxa cambial desde o início.
A política durou quatro anos. Reduziu a competitividade da indústria e as exportações agrícolas e diminuiu o emprego. A dívida interna brasileira cresceu 36% do PIB (de 24% para 60% do PIB) porque o governo manteve juros altos e tomou empréstimos em dólar para manter a política de câmbio barato. Só o mercado conseguiu forçar a mudança, retirando bilhões de dólares do pais.
Cientistas políticos não tentaram explicar como decisão tão prejudicial para indústria, agricultura e trabalhadores conseguiu se manter por tanto tempo. Batizaram o enigma de populismo cambial. É um nome, mas não explica por que o sistema político brasileiro, democrático, aberto e dominado pelas elites, é tão vulnerável ao populismo. São coisas do passado, e quem olha para trás vira estátua de sal. Agora, estamos sufocados por juros reais maiores do que 10% que prevalecem desde 2003. No começo do governo, as taxas altas se justificavam como forma de combater o medo criado pela retórica do PT. O medo passou, o tempo passou, mas os juros continuaram altos.
Economistas do Banco Central justificam a decisão em trabalhos estatísticos que mostram que taxas de juros menores que 10% provocam inflação. São pessoas cuja experiência como adultos começou em 1994. Conheceram apenas os anos de crises financeiras internacionais e de sobrevalorização do real e o ano eleitoral em que o PT ganhou as eleições.
Em 2003, a opinião dos economistas brasileiros ainda estava dividida. Com o tempo, a opinião é unânime: o juro alto é um erro que custa ao país 7% do PIB há três anos, ou 21% do PIB até agora. E faz com que a taxa cambial seja menor do que a de outros países da América Latina. Estamos perdendo a oportunidade de crescer mais rápido enquanto a economia mundial é favorável. Do ponto de vista econômico, não há explicação.
Não pode ser chamada de populismo. Talvez a algazarra sobre corrupção desvie a atenção dos juros tão altos. O mistério permanece: como é possível que o sistema político brasileiro não consiga dar voz a agricultores, industriais e trabalhadores?
A política monetária no Brasil sempre foi independente. No tempo dos governos militares, era o orçamento monetário que distribuía benefícios sem nenhum tipo de autorização. Pelo menos eram benefícios.
Mesmo assim, o Banco Central clama por independência. A história mostra total autonomia. Ainda que seja independente do Poder Executivo, precisa ser dependente de alguma outra coisa que ninguém diz qual é.
Como está, é um imenso buraco negro, tão fundo que não permite ouvir os gritos dos produtores, exportadores e trabalhadores e tão escuro que anula todas as iniciativas públicas e privadas.


João Sayad escreve às segundas-feiras nesta coluna.

jsayad@attglobal.net


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