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CLÓVIS ROSSI
De flores e Rolex
MONTREUX - Beatrice Gakuba,
51 anos, deveria estar roubando Rolex em Ruanda, se é que alguém usa
Rolex em Ruanda. Ela é tutsi, etnia
que foi massacrada pelos hutus no
genocídio de 1994, um dos grandes
horrores da história. Calcula-se
que, em pouco mais de três meses,
morreram cerca de 800 mil pessoas, entre elas uma boa parte da família de Beatrice.
Ela escapou porque testemunhava outras violências, em Angola por
exemplo, como funcionária do Unicef (Fundo das Nações Unidas para
a Infância). Passou 20 anos nesse
braço da ONU, trabalhando em
programas contra a pobreza, até
voltar para sua terra, quando a violência foi posta sob controle, um
conceito sempre relativo em áreas
de rivalidades tribais.
Largou uma bem-sucedida carreira de 20 anos como funcionária
internacional, qualificada pela formação em humanidades e por falar
inglês, francês, italiano e até português, apreendido em Angola.
Até hoje, Beatrice não consegue
explicar por que voltou. Seus antigos chefes em organismos internacionais lhe perguntaram várias vezes os motivos. Um deles chegou a
lhe dizer que não iria embora de
Ruanda enquanto ela não lhe explicasse as razões.
"Não sei. Veio daqui, ó" (e aponta
para o ventre).
Voltou para vingar-se? Nem pensar. Comprou uma pequena firma
de flores (a Rwanda Flora), virtualmente falida, e transformou-a em
uma usina de exportar rosas para a
Holanda, que absorve 90% da produção. Dá emprego para 200 mulheres e lançou um programa de
treinamento sobre plantios para
exportação para 40 jovens sobreviventes do genocídio e/ou órfãos de
portadores do vírus da Aids, uma
epidemia na África.
Pergunto se houve pelo menos
um minuto de arrependimento pela troca feita.
"Não, nunca. Sei que lá eu posso
fazer a diferença".
crossi@uol.com.br
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