São Paulo, quarta-feira, 10 de outubro de 2007

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CLÓVIS ROSSI

De flores e Rolex

MONTREUX - Beatrice Gakuba, 51 anos, deveria estar roubando Rolex em Ruanda, se é que alguém usa Rolex em Ruanda. Ela é tutsi, etnia que foi massacrada pelos hutus no genocídio de 1994, um dos grandes horrores da história. Calcula-se que, em pouco mais de três meses, morreram cerca de 800 mil pessoas, entre elas uma boa parte da família de Beatrice.
Ela escapou porque testemunhava outras violências, em Angola por exemplo, como funcionária do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância). Passou 20 anos nesse braço da ONU, trabalhando em programas contra a pobreza, até voltar para sua terra, quando a violência foi posta sob controle, um conceito sempre relativo em áreas de rivalidades tribais.
Largou uma bem-sucedida carreira de 20 anos como funcionária internacional, qualificada pela formação em humanidades e por falar inglês, francês, italiano e até português, apreendido em Angola. Até hoje, Beatrice não consegue explicar por que voltou. Seus antigos chefes em organismos internacionais lhe perguntaram várias vezes os motivos. Um deles chegou a lhe dizer que não iria embora de Ruanda enquanto ela não lhe explicasse as razões.
"Não sei. Veio daqui, ó" (e aponta para o ventre).
Voltou para vingar-se? Nem pensar. Comprou uma pequena firma de flores (a Rwanda Flora), virtualmente falida, e transformou-a em uma usina de exportar rosas para a Holanda, que absorve 90% da produção. Dá emprego para 200 mulheres e lançou um programa de treinamento sobre plantios para exportação para 40 jovens sobreviventes do genocídio e/ou órfãos de portadores do vírus da Aids, uma epidemia na África.
Pergunto se houve pelo menos um minuto de arrependimento pela troca feita.
"Não, nunca. Sei que lá eu posso fazer a diferença".

crossi@uol.com.br


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