São Paulo, quinta-feira, 10 de novembro de 2005 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES O elitismo antidemocrático do STF
ALDO PEREIRA
Desde que a Constituição de 88 passou a viger, o índice de renovação do corpo de 11 ministros do STF foi, em média, de três membros em cada gestão presidencial: Collor nomeou quatro; Itamar, um; FHC, três; e Lula, até agora, quatro. Todos os juízes que exerciam cargo em 1988 já se aposentaram ou morreram. Isto é, o STF já passou por renovação total nesses 17 anos de vigência da Constituição Federal. Essa dinâmica regenerativa indica o potencial de variação ideológica do STF em períodos relativamente curtos. A nomeação de cada ministro é flagrantemente elitista. O cidadão comum não tem como influir nela, nem ao menos por meio de seus representantes na Câmara dos Deputados. Nem mesmo a corporação nacional de juízes é consultada. A indicação do presidente da República precisa, sim, ser aprovada pela maioria absoluta dos senadores. Mas, afora a representatividade política do Senado ser muito inferior à da Câmara, a chancela senatorial tem sido ordinária formalidade: desde a gestão de Floriano Peixoto (1891-94), quando rejeitou cinco indicações, nunca mais o Senado deixou de, por compadrio ou displicência, sancionar a escolha presidencial. Nos Estados Unidos, senadores sabatinam o indicado quanto à posição dele perante grandes temas políticos do momento, como o do aborto voluntário, o da intromissão do Estado em questões religiosas, o do casamento homossexual, o da política afirmativa de cotas na admissão a universidades e à administração pública. No Brasil, onde tais questões repercutem por emulação, o Senado espreguiça e boceja ao carimbar sua apática avaliação na ficha do juiz escolhido. O cidadão, principal interessado, só passa a conhecer as opiniões dos indicados depois que, já empossados, estes e seus dez pares passam a emitir juízos que afetam -e mesmo decidem- a vida de milhões de pessoas. Seria exagero argumentar que o processo de nomear ministros do STF pode fazer do Judiciário braço auxiliar do Executivo e, assim, subverter o princípio de independência dos Três Poderes. Mas tampouco se pode descartar como gratuita a suspeita do Legislativo quando este se queixa, por exemplo, da tolerância que chicanas protelatórias do caso Dirceu encontraram no STF. Admita-se que a nomeação de juízes do Supremo pelo Executivo seja comprometedora para a imparcialidade judicial. Eleição direta seria alternativa plausível? Já a propuseram no meio acadêmico da ciência política dos Estados Unidos. Lá, como aqui, essa prerrogativa presidencial sempre irrita o partido que está na oposição. Também lá, ademais, eleição direta de juízes é rotina nos Estados. Nem por isso, segundo aparente consenso, a Justiça estadual americana é superior à federal em técnica e ética. Além disso, a idéia de eleição direta envolveria espinhosas questões. Difícil prever quais lobbies atuariam nas campanhas, no lançamento e no marketing de candidatos. Ou se concessões demagógicas não levariam os maliciosos e ineptos a prevalecer sobre os que, por princípio, cultuam o direito. Não parece sensato esperar que a politização integral possa resolver justamente o problema de contágio político do Judiciário. Talvez cabível seja apenas restringir a latitude discricionária da escolha presidencial: sujeitá-la tanto à homologação do Judiciário quanto à de todo o Congresso Nacional, e não apenas à do Senado Federal. Tão importante quanto vícios de sua composição, também as competências do STF reclamam urgente revisão por parte do Legislativo. Não tem cabimento acumular atribuições de julgamento de causas constitucionais com julgamento de milhares de recursos e agravos de instrumento que constipam a pauta do tribunal. Mais racional seria criar uma Corte Constitucional que, segundo tantos modelos, inclusive o americano, se ocupasse exclusivamente de arbitrar eventuais divergências entre os outros dois Poderes e de julgar interpretações dadas à Constituição por instâncias inferiores. Muitas outras mudanças deveriam ser implementadas no Judiciário brasileiro. Pode-se dizer que, se em muitos países a Justiça é cega, no Brasil ela é também meio surda e paralítica. Abrangente ou restrita que seja a discussão dessas realidades, o que não se dispensa nela é a exigência de maior legitimidade do STF perante cidadãos resignadamente condenados a pagar tantas e perdulárias contas do Poder Público. Aldo Pereira, 73, jornalista, foi editorialista da Folha e atualmente é colaborador do jornal. Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Maurício Correia de Mello: Chega de faz-de-conta: criança é prioridade Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |