São Paulo, quinta-feira, 10 de novembro de 2011 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Futuro do transplante de órgãos SILVANO RAIA
A evolução da medicina e da cirurgia é marcada por inovações que resultam em progressos exponenciais. Na língua inglesa, são denominados "breakthroughs". Thomas Edison não produziu uma vela com chama mais forte. Inventou a lâmpada baseada na incandescência a vácuo de um filamento de carvão e revolucionou o setor. Da mesma forma, estamos presenciando um "breakthrough" na tecnologia dos transplantes que abre novos horizontes para esse procedimento, justamente considerado o maior progresso da cirurgia no século 20. Consiste em nova tecnologia que emprega órgãos "modificados" ("engineered organs"). Para compreendê-la, devemos lembrar que os órgãos sólidos atualmente transplantados são formados por uma matriz de sustentação e por um conjunto de células mais nobres, denominado parênquima, que realiza suas funções. A matriz extracelular é pouco ou nada antigênica, ou seja, não é rejeitada pelo receptor. A nova tecnologia inclui: 1 - Retirada de todas as células do parênquima do órgão a ser transplantado por meio de uma lavagem com soluções contendo detergentes, enzimas e outros produtos com capacidade seletiva, isto é, de retirar apenas as células do parênquima, preservando a matriz (a chamada descelularização). 2 - Biopsia do órgão do receptor a ser substituído e separação das células do seu parênquima. 3 - Recelurização da matriz do órgão a ser transplantado por células do parênquima da biópsia ou por células-tronco do receptor. 4 - Oxigenação da matriz durante o tempo necessário para que estas células se multipliquem até reconstruir todo o parênquima. 5 - Transplante desse órgão "modificado", que não é rejeitado, uma vez que seu parênquima é constituído por células do próprio receptor. O método já foi usado com sucesso em humanos para transplante de pele, bexiga, pericárdio, válvulas cardíacas e traqueia. Pesquisadores da Universidade Harvard (EUA) já conseguiram transplantar fígados em roedores e prevê-se que, em cinco anos, também transplantes de rim, coração e pulmão sejam realizados com a nova técnica. Além de não causar rejeição, outra grande vantagem do novo método é aumentar a disponibilidade de órgãos para transplante. De fato, como os constituintes da matriz são mais resistentes à falta de oxigênio do que as células do parênquima, abrem-se perspectivas para o aproveitamento de órgãos também de doadores com coração parado. Atualmente, a captação de órgãos sólidos se limita a doadores com morte encefálica (com o coração ainda batendo). Essa dependência, além de diminuir a captação como um todo, exige equipamento e pessoal especializados, nem sempre disponíveis nos hospitais que atendem regularmente doadores em potencial. Como foi feito para o desenvolvimento da tecnologia atual, centros nacionais de pesquisa em transplante deveriam iniciar desde já projetos experimentais com a nova metodologia, mantendo sua tradição que nos trouxe até aqui: caminhar sempre com os pés firmes no chão, mas com os olhos nas estrelas. SILVANO RAIA é professor emérito da Faculdade de Medicina da USP. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Joaquim Falcão, Diego Werneck Arguelhes e Pedro Vieira Abramovay: A sociedade quer perguntar Próximo Texto: Painel do Leitor Índice | Comunicar Erros |
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