São Paulo, sexta-feira, 10 de dezembro de 2004

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ELIANE CANTANHÊDE

Caindo na real

BRASÍLIA - Enfim o governo federal vai patrocinar discussões sobre mudanças na legislação sobre o aborto. É o mínimo que se esperava de um governo do PT. E já não era sem tempo, porque há anos que petistas apresentam projetos permitindo a prática. O do presidente do partido, José Genoino, é de 1995.
A questão é, obviamente, delicada. Há décadas tenta-se colocar o tema em pauta, mas tudo o que é tratado como tabu não é discutido realmente, apenas jogado nas gavetas do atraso. E o grande adversário do PT nessa discussão é um velho aliado em outros campos de luta: a Igreja Católica.
Algumas premissas precisam ficar claras para início de conversa. Ninguém faz apologia do aborto em si e muito menos quer repetir a China, por exemplo, onde a prática não é apenas permitida como fortemente estimulada pelo Estado como política de controle da natalidade.
No Brasil, onde até o aborto em caso de fetos sem cérebro é proibido, o que está em debate é muito mais simples: a descriminalização. Ou seja, apenas retirar do Código Penal as punições previstas para as mulheres que, a seu livre-arbítrio, fizeram, fazem ou vierem a fazer aborto.
Até porque essa lei é hipócrita. Quem quer fazer aborto faz de qualquer maneira, e quem não admite fazer não faz de maneira nenhuma, com lei ou sem lei proibindo. Aliás, milhares de mulheres fazem aborto anualmente, as mais pobres correndo risco de morte, e ninguém é preso por isso. Trata-se, pois, de uma lei para inglês e para bispo verem.
A Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres está abrindo a discussão, criando um grupo específico para isso e possibilitando que as teses favoráveis e contrárias sejam amplamente defendidas -ou ratificadas, porque, há muito, bem conhecidas.
No final, a mudança da lei deve enfim sair. E vai ser mais uma daquelas coisas que, depois de aprovadas, todo mundo vai se perguntar: afinal, por que demorou tanto?


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