São Paulo, domingo, 11 de janeiro de 2004

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O PLANETA VERMELHO

Os astros sempre desafiaram a imaginação do homem. Das primeiras observações metódicas das estrelas, esboçadas pelos babilônios 3.800 anos atrás, às modernas sondas espaciais, a humanidade sempre olhou para os céus procurando reconhecer a si mesma.
A diferença entre os antigos e nós é que o olhar moderno chega mais longe. As sondas de hoje carregam câmeras estereoscópicas, microscópios e espectrômetros que podem muito mais do que o olho nu dos antigos. Em comum, temos com eles a limitação primordial. Por mais que venhamos a conhecer o cosmo, sempre haverá questões a que dificilmente poderemos responder.
Para além de um dado horizonte, que pode ser o do Big Bang, o dos buracos negros ou o da energia escura, nossos modelos teóricos cessam de funcionar. Nesse instante, temos de recorrer, como os antigos, a mitos para explicar o inexplicável, ou então temos de nos calar à espera de novas teorias e de novos dados empíricos que produzirão mais conhecimento -e mais dúvidas, muitas das quais ficarão sem respostas.
Se o espaço sempre deslumbrou o homem, Marte está entre os corpos celestes que mais fascínio provocaram. Seu tom vermelho-sanguíneo o fez ser frequentemente associado à morte. Os babilônios o chamavam de Nergal, seu deus da morte e da pestilência. Para os gregos, era Ares, o deus das batalhas. Os romanos o batizaram de Marte, deus da guerra.
Nem a suposta objetividade da ciência e de seus instrumentos conseguiram romper a aura de encantamento que paira sobre Marte. Ao contrário, até contribuíram para aumentá-la. Em 1877, o astrônomo italiano Giovanni Schiaparelli descobriu pequenos sulcos na superfície do planeta que chamou de "canali" (canais). O termo foi erroneamente traduzido para o inglês como "canals" em vez de "channels". No idioma de Shakespeare, "canal" designa principalmente os canais artificiais usados em irrigação.
A novidade deu lugar a todo tipo de especulação. O astrônomo americano Percival Lowell divulgou a crença de que os canais levavam água derretida dos pólos para irrigar os campos e abastecer as cidades marcianas. Ganhava força aí o clichê, que até hoje sobrevive no imaginário popular, dos homenzinhos verdes de Marte.
Modernamente, sabemos que é virtualmente impossível encontrarmos hominídeos de qualquer cor em Marte. Ainda assim, os cientistas suspeitam seriamente de que o planeta possa abrigar certas formas de vida. É justamente essa a razão de haver tantos satélites e sondas perscrutando a superfície de Marte em busca de água e, com sorte, de alguns micróbios. A política, é claro, também ajuda. De olho na reeleição, o presidente George W. Bush deverá anunciar nesta semana a revisão do programa espacial americano com vistas a uma missão tripulada a Marte -algo que muitos consideram inviável dado os elevados custos.
Pode parecer pouco encontrar microrganismos naquele planeta, mas essa já seria uma das descobertas mais importantes de todos os tempos. Marte, é claro, não oferece condições para que a vida se torne exuberante como na Terra, mas, se ela pôde surgir aqui e lá, parece razoável acreditar que tenha aparecido também em outros planetas, alguns dos quais podem possuir ambientes que favoreçam o surgimento de seres mais complexos, talvez inteligentes. O que está em jogo pode ser a resposta a uma das questões fundamentais: descobrir se o homem não está sozinho no Universo.



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