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CARLOS HEITOR CONY
Bandeira branca
RIO DE JANEIRO - O Carnaval
está chegando e, com ele, aquela
trégua provisória em nosso cotidiano, mesmo para aqueles que esnobam ou detestam o que por aí chamam de "folia". A vantagem destes
últimos é que não precisam fazer
nada a não ser deixar o Carnaval
passar. E ele passa, inexoravelmente passa, como passam todas as coisas boas e más do mundo, até mesmo as mais ou menos.
Não é preciso fantasia ou atavio
outro para entrar no clima e aproveitar o "stand by" que ele nos traz.
Governo parado, Congresso em recesso, bancos fechados, não há possibilidade de cobranças e pagamentos. Os compromissos podem esperar, a não ser os que estão comprometidos com o amor ou a morte.
Não é obrigatório sair por aí, pulando ou dançando. Se fosse, seria
bem pior. Em criança, cismaram de
me fantasiar de chinês. O estrago
foi enorme aqui dentro. Até hoje
justifico todos os meus fracassos e
faltas (graves ou leves) pelos três
dias em que me vestiram de chinês,
com bigode de rolha queimada na
cara e um chapéu cônico em que
meu irmão urinou dentro. Resistir,
quem há de?
Ver os outros pular e dançar,
além de um prazer visual, é a pausa
anual nos dias cheios de violência,
corrupção, enchentes, engarrafamentos. Neste particular, "evviva"
Momo.
Os saudosistas garantem que os
carnavais antigos eram melhores,
talvez porque, acima da alegria, pairava um toque dramático em tudo.
Não sei não. Havia certa melancolia
nas músicas, arlequins chorando
pelo amor das colombinas, tristeza,
por favor vá embora, bandeira
branca, amor, não posso mais.
Um primo meu, cujo apelido era
Zuth, tinha bom gosto e dinheiro.
Mandou fazer um pierrô suntuoso,
de lamê prateado com pompons
grená. Usou-o em vários carnavais.
No último, pediu que fosse enterrado com ele.
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