São Paulo, domingo, 11 de março de 2007

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A China depois de amanhã

EDUARDO MATARAZZO SUPLICY


Voltei da China no fim de janeiro. Encontrei um país muito diferente do de 1976, quando estive lá pela primeira vez


AS OSCILAÇÕES ocorridas na Bolsa de Xangai nos últimos dias provocaram incertezas nos mercados de todo o mundo. Em grande parte porque o primeiro-ministro chinês, Wen Jiabao, estava para anunciar, como o fez, os esforços para brecar o ritmo de crescimento do PIB em 8%, bem como medidas para poupar energia, reduzir a poluição, melhorar a eficiência e a qualidade do crescimento, sobretudo com maior eqüidade social.
Voltei de lá no fim de janeiro, depois de dez dias de visitas por Pequim, Xangai e cidades do interior. Encontrei um país muito diferente do de 1976, quando estive na China pela primeira vez. Era o final da Revolução Cultural, cinco meses antes da morte de Mao Tsé-tung. Naquela época, os "dazibaos", os jornais murais e as passeatas faziam críticas ao "vento reformista" de Deng Xiaoping.
Dois anos depois, como mandatário principal, ele introduziu profundas reformas e transformou o país. Hoje, a China tem a mais alta taxa de crescimento do mundo. Dessa vez ouvi inúmeros elogios a Xiaoping. Há 30 anos, a China já impressionava pelos avanços obtidos na erradicação da pobreza extrema. Agora impressiona muito mais.
O progresso é visível. Exemplo é a construção civil, com centenas de enormes edifícios novos. Estádios e ginásios modernos estão sendo concluídos para os Jogos Olímpicos de 2008, em Pequim. As roupas de hoje são bem mais diversificadas e coloridas que os uniformes azuis de então.
Mil carros novos por dia dão a Pequim um tráfego tão atravancado quanto o de São Paulo. Mas ainda são muitas as ciclovias. Os equipamentos eletrônicos estão em toda parte. Os investimentos são altos em infra-estrutura.
O governo resolveu permitir e estimular que as pessoas organizassem empresas privadas, cooperativas ou parcerias com as estatais. Estimulou os investimentos estrangeiros. Compreendeu que poderia compatibilizar o objetivo de construção do socialismo com o funcionamento dinâmico do mercado. Foi necessário dar liberdade de informação comercial. Há 30 anos, só se via a propaganda de emulação do socialismo. Hoje, há publicidade de marcas nacionais e internacionais. No campo, as famílias têm o direito de plantar o que desejam nas áreas que lhes são concedidas.
Mas o governo cada vez mais aprimora seu planejamento qüinqüenal e tem uma forte presença na economia.
O Partido Comunista Chinês, com 70 milhões de membros, mantém o controle da sociedade. A participação da população nas decisões locais é crescente. À medida que se passa do nível dos distritos para o das Províncias e o nacional, mais a escolha dos representantes se faz por via indireta. Longe, portanto, do que nos acostumados a ver nas nações democráticas.
A liberdade de expressão ainda é restrita. Há um número crescente de jornais, revistas e publicações. Numa das maiores livrarias de Pequim, me impressionou o número de livros de todo o mundo. Mas alguns jornalistas não poderiam, por exemplo, abrir um novo jornal e criticar as autoridades.
Acredito que a comunicação cada vez maior resultará em significativa abertura. Estima-se que em dois anos haverá mais internautas na China do que nos Estados Unidos.
Ouvi explicações sobre a economia chinesa, sobre o crescimento do PIB de 10,7% e a inflação de 2,2% no ano passado. Quis saber mais sobre os programas sociais.
Nas áreas rurais, a pobreza extrema caiu de 250 milhões, em 1978, para menos de 30 milhões hoje. O sistema de seguridade social abrange quase toda a população urbana. Há um seguro desemprego e um sistema de subsistência mínima que beneficia cerca de 23 milhões de pessoas nas cidades. Uma família que recebe abaixo de 390 yuans per capita (US$ 50) por mês, em Pequim ou Xangai, tem o direito de receber um complemento de renda para que atinja esse mínimo.
O salário mínimo está em torno de US$ 80 em Pequim, onde o salário médio é de US$ 350. Mas varia de uma região para outra. O governo, entretanto, está alerta para a necessidade de reverter a crescente disparidade refletida no coeficiente Gini de desigualdade, que passou de 0,32, em 1987, para 0,45, em 2004.
Falei às autoridades sobre a evolução dos programas sociais que existem hoje no Brasil, o Bolsa Família e a perspectiva de introdução gradual da renda básica de cidadania para todos os brasileiros. Tive uma proveitosa conversa com o professor Tian Xiaobao, presidente da Academia de Seguridade Social e Trabalho.
Após explicar as vantagens da renda básica incondicional, de como garantirá maior dignidade e liberdade a todos, lhe perguntei se achava possível instituí-la para todos os chineses.
Ele considerou a proposta sólida, de bom senso e coerente com o objetivo de construir uma sociedade harmoniosa, preconizada por Confúcio (551-479 a.C.), e consistente com os propósitos do seu governo. Mas serão necessários três planos qüinqüenais.
Em 2020, afirmou, será possível. Convidou-me para fazer uma palestra sobre a renda básica na Academia de Seguridade Social e Trabalho. Fiquei feliz. Para uma nação com mais de 5.000 anos de história, 2020 é depois de amanhã.

EDUARDO MATARAZZO SUPLICY , 65, doutor em economia pela Universidade Estadual de Michigan (EUA), professor da Eaesp-FGV, é senador da República pelo PT-SP. É autor, entre outras obras, de "Renda de Cidadania - a Saída é Pela Porta", entre outras obras.


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