São Paulo, domingo, 11 de abril de 2004

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COTAS ECONÔMICAS

Há poucos temas sociais na pauta de discussões do Brasil que gerem tanta polêmica como as cotas raciais nas universidades. Os que as defendem o fazem com unhas e dentes; e os que se lhes opõem se valem da mesma disposição.
A questão é de fato complexa e comporta diferentes leituras. Esta Folha é contra as cotas raciais por motivos filosóficos e práticos.
Em tese, num concurso público, todos os cidadãos devem ser tratados de forma igual. Imaginar que problemas históricos como a discriminação contra negros e o racismo possam ser corrigidos com mais discriminações é acreditar que a soma de dois erros possa constituir um acerto. No que diz respeito aos aspectos funcionais, pode parecer uma objeção excessivamente trivial, mas não é tão simples definir, especialmente num país miscigenado como o Brasil, quem é e quem não é negro. O único critério democrático é o utilizado pelo IBGE: a autodeclaração. Se ele fosse adotado, seria considerado negro -e disputaria vagas em condições privilegiadas- quem assim quisesse se definir.
A alternativa à autodeclaração seriam comissões que atestariam a negritude do candidato. Vale lembrar que não existem parâmetros objetivos para essa classificação. A ciência rejeita a noção de raça entre seres humanos. Análises de DNA mostram que pode haver mais diferenças genéticas entre dois brancos do que entre um negro e um branco. E o Brasil certamente dispensa-se da criação de comitês destinados a definir a pureza racial de alguém -imagem que evoca um dos momentos mais sombrios da humanidade.
É nesse contexto que a idéia de substituir as cotas raciais por cotas econômicas merece ser discutida. Renda é um critério objetivamente mensurável. E, como no Brasil o racismo tem forte expressão econômica, a faixa dos mais pobres tende a ser semelhante à dos mais negros.
Pesquisas mostram que alunos de escolas públicas que conseguiram chegar a universidades igualmente públicas tendem a sair-se melhor do que alunos de colégios privados que entraram em condições assemelhadas. Esses estudos, que ainda precisam de mais confirmações, sugerem que o investimento no ensino público de qualidade deveria receber mais atenção do governo. O papel do Estado é garantir que os interessados possam disputar as vagas em igualdade de condições.
É preciso considerar também que, dependendo de como for desenhado o sistema de cotas, corre-se o risco de afetar a qualidade da instituição universitária. Não há sociedades formadas apenas por médicos, engenheiros e outros profissionais com formação superior. É preciso, nesse sentido, investir em opções sólidas e respeitáveis de aprendizado profissional que não pressuponham a formação universitária.


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