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Medo de voar
ROBERTO LUIS TROSTER
O Brasil pode continuar com o piloto automático ou traçar um plano de vôo num patamar em sintonia com suas potencialidades
O BRASIL nunca teve um cenário macroeconômico tão favorável como o atual para acelerar o crescimento. É um céu de brigadeiro que permite vôos altos.
A economia mundial está crescendo a taxas elevadas. Mesmo considerando uma desaceleração da economia norte-americana, o resto do
mundo tem uma dinâmica própria
que sustenta a demanda por produtos
brasileiros, com impacto positivo na
atividade econômica interna.
Ilustrando o ponto, as exportações
brasileiras projetadas para este ano,
US$ 150 bilhões, são o dobro de quatro anos atrás.
Os fluxos de investimentos comerciais e financeiros internacionais estão abundantes e alguns de seus reflexos no país são notáveis: a menor taxa
de risco para títulos da dívida externa,
sucessivos recordes de alta da Bolsa
de Valores, bons indicadores de solvência externa, reservas em divisas
superiores a US$ 100 bilhões e uma
elevada procura por títulos em reais.
Não há paralelos dessa situação no
passado. A percepção é tão boa que se
debate em que momento o país receberá a qualificação máxima ("investment grade") pelas agências internacionais, o que aumentará ainda mais o
fluxo de poupança externa.
Internamente, os indicadores também são promissores. A taxa de juros
básica está no patamar mais baixo em
décadas e é razoável antecipar que fique inferior a 10% ao ano em 2008. A
inflação está estabilizada num nível
razoável. O mercado de capitais está
em expansão. A recente revisão das
contas nacionais mostrou a melhoria
em alguns indicadores fiscais e que a
produtividade brasileira era maior
que a estimada anteriormente.
São bons sinais.
Nesse céu iluminado, há algumas
sombras. Enquanto há setores exportadores favorecidos, com aumentos
de preços em dólares bem superiores
à valorização do real, há alguns prejudicados severamente.
Existem companhias brasileiras
que estão demonstrando sua capacidade de competir internacionalmente, assim como há também algumas
empresas perdendo mercado aqui
dentro para competidores estrangeiros. Há alguns gargalos localizados,
mas todos superáveis.
O resultado é um quadro alentador,
que permite vôos altos. Contudo, o
vôo é rasante, as estimativas de crescimento mais ostentosas para o Brasil, no futuro próximo, são de 5% ao
ano e a média das expectativas está
aquém de 4%. São taxas baixas quando comparadas a outras economias,
algumas com o dobro das de aqui.
O desempenho fora é creditado a
anos de adaptações e esforços direcionados por planos ambiciosos. Enquanto aqui a razão pelo fraco desempenho é que há medo de voar, usa-se o
piloto automático. Há uma letargia
inexplicável.
O mundo está se transformando.
Avanços tecnológicos e alterações na
estrutura econômica criam novas
oportunidades de crescimento que
têm que ser aproveitadas. A taxa básica de um dígito, a inflação baixa, liquidez abundante e o real valorizado são
fatos novos que demandam ajustes na
política econômica. Entretanto, insiste-se em repetir mais do mesmo, em
vez de ajustar-se à nova realidade.
Mudanças institucionais são necessárias para que o país decole. Há uma
agenda latente de reformas que tem
que ser retomada para aproveitar as
mutações. Avançar na educação, nas
relações trabalhistas, na questão fundiária, na Previdência, numa Justiça
eficiente, na redução da burocracia,
na segurança, na infra-estrutura legal
etc. é requisito para incentivar investimentos de empresários locais e externos. Sem aumento da capacidade
produtiva, as taxas de crescimento
continuarão baixas.
O real valorizado é um fato que tem
que ser incorporado numa política industrial consistente. A taxa de juros
baixa impõe uma série de ajustes na
regulamentação financeira de forma
a propagar o efeito dos juros baixos
aos tomadores de crédito. Há um conjunto de subsídios e privilégios a ser
revisto. A estrutura de gastos e tributos não está em sintonia com a realidade do país. Não se pode usar o plano
de vôo do século passado neste.
O Brasil pode continuar com o piloto automático ou traçar um plano de
vôo num patamar em sintonia com
suas potencialidades, ou seja, um novo ciclo de crescimento acelerado.
Todas as condições estão dadas: cenário externo propício, um quadro interno excepcional, recursos materiais, gente e nenhuma barreira intransponível. Fazer acontecer é a palavra de ordem.
ROBERTO LUIS TROSTER, 56, doutor em economia pela
USP, foi economista-chefe da Febraban (Federação Brasileira dos Bancos), da ABBC e do Banco Itamarati.
robertotroster@uol.com.br
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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