São Paulo, quarta-feira, 11 de abril de 2007

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Medo de voar

ROBERTO LUIS TROSTER

O Brasil pode continuar com o piloto automático ou traçar um plano de vôo num patamar em sintonia com suas potencialidades

O BRASIL nunca teve um cenário macroeconômico tão favorável como o atual para acelerar o crescimento. É um céu de brigadeiro que permite vôos altos. A economia mundial está crescendo a taxas elevadas. Mesmo considerando uma desaceleração da economia norte-americana, o resto do mundo tem uma dinâmica própria que sustenta a demanda por produtos brasileiros, com impacto positivo na atividade econômica interna.
Ilustrando o ponto, as exportações brasileiras projetadas para este ano, US$ 150 bilhões, são o dobro de quatro anos atrás.
Os fluxos de investimentos comerciais e financeiros internacionais estão abundantes e alguns de seus reflexos no país são notáveis: a menor taxa de risco para títulos da dívida externa, sucessivos recordes de alta da Bolsa de Valores, bons indicadores de solvência externa, reservas em divisas superiores a US$ 100 bilhões e uma elevada procura por títulos em reais.
Não há paralelos dessa situação no passado. A percepção é tão boa que se debate em que momento o país receberá a qualificação máxima ("investment grade") pelas agências internacionais, o que aumentará ainda mais o fluxo de poupança externa.
Internamente, os indicadores também são promissores. A taxa de juros básica está no patamar mais baixo em décadas e é razoável antecipar que fique inferior a 10% ao ano em 2008. A inflação está estabilizada num nível razoável. O mercado de capitais está em expansão. A recente revisão das contas nacionais mostrou a melhoria em alguns indicadores fiscais e que a produtividade brasileira era maior que a estimada anteriormente. São bons sinais.
Nesse céu iluminado, há algumas sombras. Enquanto há setores exportadores favorecidos, com aumentos de preços em dólares bem superiores à valorização do real, há alguns prejudicados severamente. Existem companhias brasileiras que estão demonstrando sua capacidade de competir internacionalmente, assim como há também algumas empresas perdendo mercado aqui dentro para competidores estrangeiros. Há alguns gargalos localizados, mas todos superáveis.
O resultado é um quadro alentador, que permite vôos altos. Contudo, o vôo é rasante, as estimativas de crescimento mais ostentosas para o Brasil, no futuro próximo, são de 5% ao ano e a média das expectativas está aquém de 4%. São taxas baixas quando comparadas a outras economias, algumas com o dobro das de aqui.
O desempenho fora é creditado a anos de adaptações e esforços direcionados por planos ambiciosos. Enquanto aqui a razão pelo fraco desempenho é que há medo de voar, usa-se o piloto automático. Há uma letargia inexplicável.
O mundo está se transformando. Avanços tecnológicos e alterações na estrutura econômica criam novas oportunidades de crescimento que têm que ser aproveitadas. A taxa básica de um dígito, a inflação baixa, liquidez abundante e o real valorizado são fatos novos que demandam ajustes na política econômica. Entretanto, insiste-se em repetir mais do mesmo, em vez de ajustar-se à nova realidade. Mudanças institucionais são necessárias para que o país decole. Há uma agenda latente de reformas que tem que ser retomada para aproveitar as mutações. Avançar na educação, nas relações trabalhistas, na questão fundiária, na Previdência, numa Justiça eficiente, na redução da burocracia, na segurança, na infra-estrutura legal etc. é requisito para incentivar investimentos de empresários locais e externos. Sem aumento da capacidade produtiva, as taxas de crescimento continuarão baixas.
O real valorizado é um fato que tem que ser incorporado numa política industrial consistente. A taxa de juros baixa impõe uma série de ajustes na regulamentação financeira de forma a propagar o efeito dos juros baixos aos tomadores de crédito. Há um conjunto de subsídios e privilégios a ser revisto. A estrutura de gastos e tributos não está em sintonia com a realidade do país. Não se pode usar o plano de vôo do século passado neste.
O Brasil pode continuar com o piloto automático ou traçar um plano de vôo num patamar em sintonia com suas potencialidades, ou seja, um novo ciclo de crescimento acelerado. Todas as condições estão dadas: cenário externo propício, um quadro interno excepcional, recursos materiais, gente e nenhuma barreira intransponível. Fazer acontecer é a palavra de ordem.


ROBERTO LUIS TROSTER, 56, doutor em economia pela USP, foi economista-chefe da Febraban (Federação Brasileira dos Bancos), da ABBC e do Banco Itamarati.

robertotroster@uol.com.br


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