São Paulo, sexta-feira, 11 de junho de 2004

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CLÓVIS ROSSI

Deslumbramento explícito

PARIS - A notícia colhida pelo excelente repórter que é Guilherme Barros, segundo a qual os empresários vão pagar a reforma do Palácio da Alvorada, é todo um compêndio sobre a política brasileira.
Ensina muito, por exemplo, sobre a cabeça de uma fatia ponderável dos homens de negócio. Não parece fazer parte da missão social do empresariado cuidar do conforto do presidente da República.
Mas é útil mantê-lo ocupado com o deslumbramento com o poder, para não correr o menor risco de que lhe venha alguma idéia que fira os interesses dos privilegiados.
Esse processo faz parte do que o jornalista argentino Horácio Verbitsky chamou, em pedagógico livro, de "La Educación Presidencial".
Quanto ao próprio Lula, fica clara a troca de prioridades. Antes, sua missão na vida, segundo ele próprio, era fazer com que cada brasileiro pudesse ter direito a três refeições diárias. Agora, é um avião novo para a Presidência da República e um palácio mais confortável.
Claro que ninguém está propondo que Lula se mude para a Rocinha, para a favela do Buraco Quente, em São Paulo, nem mesmo para Taguatinga, cidade-satélite de Brasília.
Não que lhe fizesse mal, necessariamente. No mínimo ficaria livre do bando de puxa-sacos que cerca e isola todo presidente, em todos os cantos do planeta. A maioria só sobrevive nas condições de temperatura e pressão dos palácios.
Feita essa ressalva fundamental, parece evidente que, de todas as preocupações que deveriam povoar a cabeça do presidente, certamente a última delas seria a reforma do Alvorada. Ao levar empresários para um tour pelos banheiros para ver encanamentos danificados ou velhos, Lula mostra claramente onde é que está com a cabeça.
Ainda há tempo, no entanto. Na hora em que o empresariado levar o cheque da reforma, o presidente talvez se lembre de que há incontáveis escolas, hospitais e delegacias, país afora, em condições bastante mais insalubres. Talvez.



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