São Paulo, sexta-feira, 11 de junho de 2004

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IGOR GIELOW

Cotas patrulhadas

BRASÍLIA - Cornel West era o mais badalado acadêmico negro dos Estados Unidos. Chefiava o Departamento de Estudos Afro-Americanos na mítica Universidade Harvard.
No fim de 2001, ouviu do chefão de Harvard, o polêmico conservador Larry Summers, um questionamento. Estaria dedicando mais tempo à autopromoção em nome da causa negra do que a seus alunos -os quais, disse Summers, pareciam receber notas mais altas apenas por serem negros.
West é pop. Gravou um CD de rap e acabou virando conselheiro dos irmãos Wachowski, de ""Matrix" (até ganhou uma ponta no malogrado segundo filme da série). Mesmo com a retratação de Summers, alegou preconceito e foi para a rival Princeton meio desacreditado. Na esteira, deixou meses de debate sobre o efeito do politicamente correto na academia.
Aqui no Brasil, para variar, estamos atrasados. Décadas depois de os americanos inventarem a ação afirmativa para reduzir o impacto que a segregação oficial teve nas escolas, algo que agora vêm abandonando, a Universidade de Brasília resolveu adotar regime de cotas para negros.
Ataca o racismo criando injustiça. Sem cotas, o curso de medicina teria 66,39 candidatos por vaga. Com elas, a concorrência cai pela metade para o cotista. Fica difícil explicar para os outros, que passam a enfrentar uma taxa de 82,41 inscritos/vaga, que é tudo culpa do passado escravocrata.
Para piorar, a UnB criou uma abominação na seleção. Um conselho examina fotografias para decidir quem é elegível às cotas. Subjetividade pura, como mostraram os rostos dos aprovados estampados na imprensa. E introduziu proselitismo na escolha: perguntou aos rejeitados que apresentaram recurso se eles já haviam militado no movimento negro. Na banca, gente da UnB e de grupos militantes negros. Desde quando militância é parâmetro para definir algo tão complexo como raça?
Virou patrulhamento ideológico travestido de justiça social. Se algo der errado em Princeton, West já sabe onde pode procurar emprego.


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