São Paulo, quarta-feira, 11 de junho de 2008

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A política da Aids

PELA PRIMEIRA vez a Organização Mundial da Saúde (OMS) admite que o risco de uma epidemia global de Aids entre heterossexuais é bastante reduzido e que as estratégias de prevenção promovidas pelas principais organizações de combate à moléstia podem ter sido mal focadas.
Os indícios de que os números da Aids estavam superestimados não são novos. No final do ano passado, a própria Unaids (a agência da ONU para lidar com a moléstia) corrigiu sua contabilidade e baixou a estimativa de infectados de 39,5 milhões (2006) para 33,2 milhões (2007).
Nos últimos meses, epidemiologistas, entre eles um ex-dirigente da OMS, vêm lançando fortes críticas ao trabalho das organizações e dos ativistas anti-Aids. Sugerem que, por força de lobbies, foram cometidos erros no combate à doença.
Um exemplo de enfoque equivocado seria o das campanhas educacionais voltadas para a população geral. Exceto pela África subsaariana, o risco de contrair Aids numa relação heterossexual é baixo. A transmissão só ocorre em uma de cada 500 a 1.000 cópulas com parceiro infectado. Teria feito mais sentido investir fatias maiores do orçamento em peças publicitárias dirigidas a grupos de risco, como homossexuais masculinos, usuários de drogas injetáveis e prostitutas e seus clientes.
Ocorre que, após as primeiras caracterizações da Aids como "peste gay" no início dos anos 80, médicos e ativistas julgaram oportuno ilidir o preconceito. Para tanto, trataram de desconstruir a noção de grupo de risco. Nunca é boa prática deixar que dados científicos sejam contaminados por decisões políticas, por mais corretas que sejam.
É fato que a Aids, por afetar um público influente, sempre recebeu atenção desproporcional em relação a outras doenças. Mas é igualmente inegável que, também por força de lobbies e de seus exageros, o mundo respondeu de forma no geral adequada à irrupção da Aids, que, mesmo despida de excessos retóricos, permanece um grave problema de saúde pública.


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