São Paulo, domingo, 11 de julho de 2004

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CARLOS HEITOR CONY

Quixote e Brancaleone

RIO DE JANEIRO - Serei dos últimos a sentar meus cansados ossos para assistir a qualquer filme de Michael Moore, mas o admiro. Admiro-o não como produtor de coisas belas e indispensáveis, mas pela sua obsessão em fazer de seu ofício uma cruzada.
Cruzada sem cruz, de um possuído pela sua verdade, nela depositando todas as forças de sua até exagerada cólera contra Bush, uma cólera talvez paranóica, ou mesmo patológica.
Também não aprecio o atual presidente da República. Não chego a demonizá-lo, mas o considero um louco que, de uma hora para outra, pode botar fogo no mundo.
Michael Moore lembra, num dos ofícios mais modernos, que é o cinema, os cavaleiros andantes que saíam pelo mundo denunciando os maus e tentando proteger os bons, os fracos e inocentes. A idéia fixa de combater o presidente de seu país, por considerá-lo nocivo aos norte-americanos e à humanidade, faz dele um novo Cid. Mesmo morto, monta num cavalo e continua sua batalha.
Não é qualquer artista que faz de sua arte um arsenal para combater aquilo que julga ser o bom combate. Se ele tem alguma coisa de Cid, tem também o fogo interior de Dom Quixote e alguma coisa do ridículo de Brancaleone.
Faz do cinema um veículo transcendental, uma lança em defesa de valores em que acredita e um petardo que dispara com raiva contra o Mal. Pode-se duvidar de seus critérios, desprezar a sua avaliação da atual conjuntura política de seus país. Certo ou errado, ele mergulhou com tudo o que tem direito numa justa medieval, usando os mais modernos meios de comunicação de massa.
Nesse particular, é, ao mesmo tempo, um exemplo de ingenuidade e de esperança, acreditando que pode tornar o mundo melhor. Se houver uma hecatombe, um armagedon que nos destrua a todos, Michael Moore terá a consciência tranqüila. Dirá: "Fiz o que pude, mas não tomaram providências!".



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