São Paulo, sexta-feira, 11 de agosto de 2000


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LÍNGUA PRESA

É assaz reprochável, para dizer o mínimo, a horda de neologismos que tomou de assalto a língua portuguesa. Não se pode mais nem mesmo ir a um shopping center sem encontrar "sales" e "offs" no lugar de liquidações e descontos. Não se toma mais um cafezinho, mas se faz um "coffee break". Pior ainda é quando alguém se vê obrigado a "ressetar" o seu computador, por conta de um "bug" no "software", e não consegue "forwardar" um "e-mail" urgente nem acessar o seu "personal banking".
Qualquer um que aprecie um bom autor de língua portuguesa tem ganas de deletar essas expressões do idioma. O pior caminho para fazê-lo é o projeto do deputado Aldo Rebelo (PC do B-SP), aprovado anteontem pela Comissão de Educação da Câmara, que poderá estabelecer multas para quem empregar "palavra ou expressão estrangeira" que tenha equivalente em língua portuguesa.
A proposta é digna de figurar numa comédia surrealista. Pelo artigo 3º, é obrigatório o uso da língua portuguesa por brasileiros, natos e naturalizados, e estrangeiros residentes no país há mais de um ano.
Para ser consequente com o projeto, far-se-ia necessária a criação de brigadas linguísticas, encarregadas de dar fiel cumprimento aos dispositivos legais. Os mui diligentes fiscais do Lácio, munidos de sólida formação filológica, resgatariam o idioma de Camões das trevas imperialistas que o ameaçam. À imortal ABL, agora dispondo de poder discricionário, caberia definir o "Volksgeist" e dar-lhe expressão vernacular.
O português já experimentou outras invasões, notadamente a dos galicismos, e sobreviveu. Na verdade, saiu enriquecido, como às vezes ocorre quando culturas se encontram. Aliás, se não houvesse essa dinâmica de influências, o português nem existiria. O idioma pátrio ainda seria o proto-indo-europeu.
Ainda não inventaram uma forma de fazer as pessoas terem bom gosto por força de lei. Diante do óbvio, faria melhor o Congresso se direcionasse seus esforços para fins mais úteis, como elevar o nível do ensino ministrado nas escolas.


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