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TENDÊNCIAS/DEBATES
Caso Dilma Rousseff vença e faça maioria no
Congresso, há risco de concentração de poder?
SIM
Legislativo não é apêndice do governo
ARNALDO JARDIM
Ainda há muita água para rolar,
mas, por hipótese -e não mais que
por hipótese-, admitamos que a
atual aliança governista eleja maioria expressiva nas duas Casas do
Congresso. A primeira pergunta a
fazer é: qual a consistência político-ideológica dessa maioria?
Sabemos que o partido lulista
tentará usar tal maioria para avançar em mudanças constitucionais e
legais ditas "de esquerda". Sabemos, também, que a outra metade
(possivelmente majoritária no bloco), representada pelo PMDB de face mais liberal, quererá não mais
que usufruir sua parcela de poder.
A segunda pergunta é: a que se
prestaria essa aliança? Ela serviria
para uma sustentação convencional do governo, não para grandes
arroubos políticos. Não teria, por
exemplo, homogeneidade para
aprovar as inadiáveis reformas tributária e previdenciária, que o governo Lula postergou.
Tramada sobre circunstâncias, e
não sobre programas, essa aliança
teria uma consistência debilitada e
uma convivência sempre atritada.
Portanto, uma eventual maioria da
atual base governamental na Câmara e no Senado significaria, sim,
uma excessiva concentração de poder, mas relativizada pelos objetivos políticos transversos de cada
facção situacionista.
Duvido que ela se prestaria a validar o sonho autoritário do partido
lulista, impondo modificações exóticas à legislação. Já no governo Lula existiu enorme distanciamento
entre o que os ideólogos do partido
pregavam e a prática política.
Os sonhos do partido sempre foram contornados no discurso que
Lula faz à sociedade, operando o
convencimento popular por prática
populista frequentemente demagógica. Lula sempre esteve longe,
muito longe, de aderir ao ideal de
uma revolução transformadora.
Já o cerne da "intelligentsia" do
partido lulista sonha usar o processo democrático -um tanto pateticamente, reconheçamos- para fazer a revolução que ainda não aconteceu. Mantém a visão da "tomada
do palácio" para, a partir do governo, "moldar a sociedade".
Na Presidência, Lula ignorou essa visão com sua implacável hegemonia política sobre o partido;
mas, quando ele não estiver mais lá
-admitamos, por hipótese-, o
PMDB teria muito mais cuidados
com o destino do governo e das leis,
estou certo? Não é novidade para o
PMDB que o núcleo ideologizado
do partido lulista sonha afastá-lo
das decisões reais do poder.
A contínua pregação da hegemonia esquerdista -algo que não se
concretizará tão cedo- deixa claro
que o acolhimento do PMDB nas
hostes lulistas é meramente oportunista e que o nível de confiabilidade da aliança é precário. Ao
PMDB, definitivamente, não interessa contribuir para um modelo
autoritário.
Mas há outra hipótese a considerar: no caso de vitória do candidato
de oposição José Serra, como espero e aposto, a questão da maioria
parlamentar se inverteria, posto
que a adesão do PMDB a um eventual governo Serra seria lógica.
Isso não só pelo vínculo natural
que o candidato tem com as frações
históricas do partido como também
pelo peristaltismo usual da sua parcela mais, digamos, pragmática. Na
sua passagem pelo Ministério da
Saúde, a aprovação da emenda nº
29 já demonstrou isso.
E não é só. É evidente que uma
eventual bancada diminuta e os
efeitos da cooptação do governo
-o governo lulista nunca se inibiu
com isso- podem criar dificuldades eventuais à resistência oposicionista. Mas isso já aconteceu num
Brasil relativamente recente e o
país se redemocratizou.
O que engrandece a resistência
não é o número de parlamentares,
mas a capacidade de luta democrática e articulação política da bancada oposicionista, inclusive aproveitando as contradições do bloco adversário.
ARNALDO JARDIM, engenheiro, é deputado federal
pelo PPS-SP e candidato a novo mandato.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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