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TENDÊNCIAS/DEBATES
Caso Dilma Rousseff vença e faça maioria no
Congresso, há risco de concentração de poder?
NÃO
Boas-vindas à normalidade
RENATO JANINE RIBEIRO
Em qualquer democracia parlamentar -isto é, em quase toda a
União Europeia, Japão, Índia, Canadá, Austrália e Nova Zelândia-,
essa pergunta não faria sentido.
No parlamentarismo, o governo
só é governo porque tem maioria no
Legislativo. Este geralmente tem
uma Câmara baixa, eleita pelo povo, que é a mais importante. Mas,
com frequência, dispõe também de
uma "outra Casa", que alguns chamam de Senado, com menos poderes, porém, ainda assim, capaz de
interferir na vida política.
A pergunta só cabe, então, no
presidencialismo, forma típica do
continente americano, mas presente em versões "semi", que produzem parlamentarismo atenuado,
na França, Portugal e outros países.
O modelo do presidencialismo
democrático são os Estados Unidos. Até acontece que seu presidente não tenha maioria numa ou nas
duas Casas. Mas tal situação tende
a ser traumática, como se viu nas
tentativas de inviabilizar a administração Clinton. Portanto, o normal é o povo dar maioria ao mesmo
partido no Executivo e nas duas Casas, e não o contrário.
Aliás, ter maioria no Executivo e
no Legislativo também é regra em
nosso país. Deve ser raro o Estado
ou cidade em que o governador não
conte com uma maioria tranquila
na Assembleia, ou o prefeito na Câmara Municipal.
Isso talvez seja mais fácil porque,
em nosso país multipartidário, nem
todos os maiores partidos estão
presentes em todos os cantos, e, por
isso, o mandatário local lida com
menos agremiações que o presidente da República; mas a principal razão é que o poder atrai.
Já na esfera federal, dos nossos
presidentes eleitos após 1985, FHC
conseguiu do Congresso tudo o que
queria, até a reeleição, desfrutando
de confortável maioria. Collor só teve problemas no Parlamento quando o povo exigiu sua saída. Lula sofreu uma derrota maior, ao não
aprovar a renovação da CPMF.
Penso que a questão exige uma
distinção importante. Geralmente,
o Executivo governa com uma
maioria definida após as eleições,
por mecanismos que a elegância
sugere chamar de "cooptação" ou
atração, mas que por vezes não têm
elegância nenhuma.
O que aqui se pergunta é outra
coisa: e se a maioria for definida
não depois das eleições, por parlamentares que terão mais ou menos
traído seus eleitores, passando para o lado do vencedor, mas antes
dela, por candidatos que terão sido
eleitos prometendo apoiar a candidatura vitoriosa?
Eticamente, é muito melhor assim. Prefiro uma maioria gestada
nas urnas a uma consagrada pelo
Tesouro Público -isto é, pelo dinheiro meu, seu, nosso. E nossa experiência indica que, seja como for,
o presidente terá maioria parlamentar; a questão é se ela virá do
voto ou a despeito do voto.
Mas uma Presidência com clara
maioria parlamentar ameaçaria as
liberdades? Ora, Dilma é, de todos
os possíveis candidatos petistas à
Presidência, talvez a mais pró-empresas. E devemos notar que a atual
oposição provavelmente ganhará
em São Paulo, talvez em Minas, em
vários Estados. Continuará com o
apoio da maior parte da mídia.
Finalmente, pelo menos parte de
um futuro bloco parlamentar dilmista, como o PMDB, exigirá da
eventual presidente concessões
constantes. Por isso, se se teme
uma excessiva concentração de poder, creio que ela será menor do que
no governo FHC, quando quase todos os atores políticos estavam de
um só lado e, mesmo assim, a democracia não foi ameaçada.
RENATO JANINE RIBEIRO é professor titular de Ética
e Filosofia Política do Departamento de Filosofia da
USP. Foi diretor de Avaliação da Capes
(Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior), do Ministério da Educação (2004-08), no governo Lula.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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