São Paulo, sábado, 11 de setembro de 2010

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Caso Dilma Rousseff vença e faça maioria no Congresso, há risco de concentração de poder?

NÃO

Boas-vindas à normalidade

RENATO JANINE RIBEIRO

Em qualquer democracia parlamentar -isto é, em quase toda a União Europeia, Japão, Índia, Canadá, Austrália e Nova Zelândia-, essa pergunta não faria sentido.
No parlamentarismo, o governo só é governo porque tem maioria no Legislativo. Este geralmente tem uma Câmara baixa, eleita pelo povo, que é a mais importante. Mas, com frequência, dispõe também de uma "outra Casa", que alguns chamam de Senado, com menos poderes, porém, ainda assim, capaz de interferir na vida política.
A pergunta só cabe, então, no presidencialismo, forma típica do continente americano, mas presente em versões "semi", que produzem parlamentarismo atenuado, na França, Portugal e outros países.
O modelo do presidencialismo democrático são os Estados Unidos. Até acontece que seu presidente não tenha maioria numa ou nas duas Casas. Mas tal situação tende a ser traumática, como se viu nas tentativas de inviabilizar a administração Clinton. Portanto, o normal é o povo dar maioria ao mesmo partido no Executivo e nas duas Casas, e não o contrário.
Aliás, ter maioria no Executivo e no Legislativo também é regra em nosso país. Deve ser raro o Estado ou cidade em que o governador não conte com uma maioria tranquila na Assembleia, ou o prefeito na Câmara Municipal.
Isso talvez seja mais fácil porque, em nosso país multipartidário, nem todos os maiores partidos estão presentes em todos os cantos, e, por isso, o mandatário local lida com menos agremiações que o presidente da República; mas a principal razão é que o poder atrai.
Já na esfera federal, dos nossos presidentes eleitos após 1985, FHC conseguiu do Congresso tudo o que queria, até a reeleição, desfrutando de confortável maioria. Collor só teve problemas no Parlamento quando o povo exigiu sua saída. Lula sofreu uma derrota maior, ao não aprovar a renovação da CPMF.
Penso que a questão exige uma distinção importante. Geralmente, o Executivo governa com uma maioria definida após as eleições, por mecanismos que a elegância sugere chamar de "cooptação" ou atração, mas que por vezes não têm elegância nenhuma.
O que aqui se pergunta é outra coisa: e se a maioria for definida não depois das eleições, por parlamentares que terão mais ou menos traído seus eleitores, passando para o lado do vencedor, mas antes dela, por candidatos que terão sido eleitos prometendo apoiar a candidatura vitoriosa?
Eticamente, é muito melhor assim. Prefiro uma maioria gestada nas urnas a uma consagrada pelo Tesouro Público -isto é, pelo dinheiro meu, seu, nosso. E nossa experiência indica que, seja como for, o presidente terá maioria parlamentar; a questão é se ela virá do voto ou a despeito do voto.
Mas uma Presidência com clara maioria parlamentar ameaçaria as liberdades? Ora, Dilma é, de todos os possíveis candidatos petistas à Presidência, talvez a mais pró-empresas. E devemos notar que a atual oposição provavelmente ganhará em São Paulo, talvez em Minas, em vários Estados. Continuará com o apoio da maior parte da mídia.
Finalmente, pelo menos parte de um futuro bloco parlamentar dilmista, como o PMDB, exigirá da eventual presidente concessões constantes. Por isso, se se teme uma excessiva concentração de poder, creio que ela será menor do que no governo FHC, quando quase todos os atores políticos estavam de um só lado e, mesmo assim, a democracia não foi ameaçada.


RENATO JANINE RIBEIRO é professor titular de Ética e Filosofia Política do Departamento de Filosofia da USP. Foi diretor de Avaliação da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), do Ministério da Educação (2004-08), no governo Lula.

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