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CARLOS HEITOR CONY
Buñuel e o Oriente
RIO DE JANEIRO - Apesar da óbvia insignificância do maledicente
escriba que aqui vos saúda e pede
passagem, volta e meia sou convidado para estranhas e não desejadas viagens. Vieram com um papo
furadíssimo, prometendo-me
mundos com alguns fundos se topasse uma longa peregrinação pelo
Oriente -China, Japão, Índia, Paquistão, esses lugares onde certamente nem Judas perdeu suas improváveis botas.
Recusei de estalo. Não tenho curiosidade nem necessidade de gastar a sola dos meus pés e as inquietações do meu espírito em tão remotos lugares. Luis Buñuel comentou, um dia, que a China, com sua filosofia, sua arte, sua cultura e sua
história, nada tinha a ver com ele. O
movimento mais longo que ele fizera em direção ao Oriente foi uma
curta viagem a Metz, 320 quilômetros a oeste de Paris. Dom Luís sempre soube das coisas. São outros
seus roteiros, sempre seguindo a
via-láctea de seus fantasmas, os estranhos caminhos que levam a Santiago de Compostela.
Já pisei terras não desejadas para
garantir o leite das crianças ou em
trânsito para outros lugares. De
qualquer forma, quando vou a São
Paulo e vejo mais de dois japoneses
juntos, já me sinto forasteiro e com
vontade de voltar logo para casa.
Não que tenha alguma coisa contra os orientais. Mas prefiro mesmo
as mazelas, as indignidades, as pústulas do nosso mundo cristão e ocidental. Foi nele que me formei e me
informei. Por essas e outras é que
nada tenho a fazer na China ou no
Japão. Comer um pato laqueado
pode ser façanha sensual. Receber
massagens de uma "geisha" deve
ser gostoso.
Prefiro uma pedra em Jerusalém,
um mármore na Grécia, uma ruína
em Roma, uma estrada abandonada
em qualquer parte.
Trago as retinas fatigadas de ruínas -e deslumbradas.
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