São Paulo, Quarta-feira, 12 de Janeiro de 2000


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Uma tréplica necessária


O sr. Garnero está confundindo ranço corporativista com a defesa de uma identidade nacional


PEDRO CURY

Não tenho o hábito de manter uma polêmica por meio da imprensa. Porém, tendo em vista o artigo do sr. Mario Garnero "Arquitetura do desemprego" ("Tendências/Debates", 27/12/ 99), senti-me obrigado a voltar a esta coluna para fazer alguns comentários.
A começar pelo título do artigo. Difícil entender essa expressão. O desemprego está sendo causado, entre outros motivos, pelo lado negativo da globalização, estimuladora da ganância das grandes corporações multinacionais que, somado à fragilidade e ao caos de nossa economia e à inabilidade dos nossos administradores em lidar com esses problemas, concorre para formar o quadro que aí está.
Vale também citar a corrupção que assola este país como um dos grandes causadores do desemprego. Boa parte dos nossos escassos recursos têm destino ignorado, diminuindo assim investimentos que poderiam melhorar nosso nível de emprego. Esses são alguns fatores que estão causando desemprego, não a arquitetura. Pelo contrário, a arquitetura brasileira também está sofrendo com a situação.
O sr. Garnero está confundindo ranço corporativista com a defesa de uma identidade nacional. Um país que não possui identidade, que não tem claras as suas raízes e a sua cultura, não se realiza como nação. Ela deve se revelar em todos os níveis de atividades, inclusive na arquitetura, que, pela definição de Mies van der Rohe, um dos melhores arquitetos deste século, alemão de nascimento e radicado nos EUA, já morto, como sendo "a expressão da vontade de um povo e de uma nação traduzida em espaço construído vivo, novo, mutável", deve refletir com maior força a identidade de um país.
Ao lado disso, a história nos mostra que as tentativas de aniquilar a identidade de um país, seja ele rico ou pobre, grande ou pequeno, não raras vezes resultaram em tragédia. É a importância dessa identidade que estamos defendendo, e não um corporativismo mesquinho como insinua o sr. Garnero.
Talvez ignorar como funciona uma entidade de classe como o IAB (Instituto dos Arquitetos do Brasil) levou-o a fazer algumas colocações em seu artigo. O IAB possui hoje mais de 5.000 sócios somente no Estado de São Paulo, tem um departamento em cada Estado do Brasil, é filiado à União Internacional de Arquitetos (UIA), que, por sua vez, é filiada à Unesco, e, desde a sua fundação, há mais de 70 anos, desempenha um importante papel no desenvolvimento de São Paulo.
A opinião exposta em meu artigo "Um estranho objeto" ("Tendências/ Debates", 13/12/99) reflete, portanto, o pensamento da maioria dos arquitetos associados ao IAB, inclusive a minha, e foi resultado de alguns debates realizados na entidade, tendo contado, em um deles, com a participação de seus colaboradores. O IAB é um colegiado. O presidente é o seu porta-voz. Não somos, portanto, meia dúzia, sr. Garnero, mas milhares. Meia dúzia, eu diria, são os arquitetos que talvez estejam defendendo esse empreendimento por estarem contratados para tal fim.
O IAB, como já disse, participou e tem participado ativamente no desenvolvimento de nossa cidade, propondo soluções por meio de seus representantes nos diversos órgãos da prefeitura ou criando condições para que as propostas se viabilizem, promovendo debates, seminários e concursos públicos de projetos de arquitetura e urbanismo.
Organizamos recentemente, a pedido da Prefeitura de São Paulo, por meio do Pró-Centro, órgão citado em seu artigo, um concurso nacional de anteprojeto para a revitalização e recuperação do centro de São Paulo. Foram 64 propostas apresentadas por equipes compostas por centenas de profissionais arquitetos, urbanistas, paisagistas, engenheiros etc. de todo o Brasil.
Essas, sim, foram propostas baseadas em profundos estudos, debates e seminários organizados pelo IAB para levantar os reais problemas e necessidades do centro. Esse concurso teve projetos vencedores. Estão todos em poder do Pró-Centro. A prefeitura não os utiliza porque não quer ou porque seus administradores não têm vontade política para implantá-los ou não têm a habilidade necessária para viabilizá-los. Mas as propostas estão lá, sr. Garnero. Qualquer pessoa poderá vê-las.
E mais, organizamos um concurso de idéias para a recuperação das marginais dos rios Pinheiros e Tietê, que estão à beira da degradação total. Foram 21 propostas apresentadas, que também estão em poder da municipalidade. Outro concurso organizado pelo IAB, a pedido da prefeitura, foi o da reurbanização de 20 praças públicas da cidade, que resultou em 121 propostas.
Existem outros exemplos, mas paramos por aqui. Como se pode constatar, sr. Garnero, propostas existem até demais, são muitas, e todas tiveram uma participação direta de nossa entidade. E aqui vai, também, uma pergunta: além dessa megatorre chamada de São Paulo Tower, que tem um caráter nitidamente comercial, quais foram os outros projetos que o sr. apresentou visando à melhoria de nossa cidade?
Quanto aos vetores de desenvolvimento previstos pelo urbanista citado em seu artigo, podemos dizer que eles poderão se dar de diversas formas. Não é mérito do seu empreendimento. Com certeza, outras soluções mais adequadas poderão resultar no desenvolvimento desses vetores. Qualquer estudioso do assunto sabe disso.
É o que tenho a dizer pelo espaço que me foi concedido e espero encerrar, aqui, minha participação nesse tema.


Pedro Cury, 64, arquiteto, é presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil em São Paulo e diretor da Pedro Cury Arquitetura e Planejamento.



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