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CLÓVIS ROSSI
Há mais que dois lados na vida
WASHINGTON - Esta Folha publicou ontem e na terça-feira dois artigos
absolutamente imperdíveis para
qualquer um que queira tirar o debate público da indigência em que habitualmente rasteja no Brasil.
No pobre país tropical, a coisa funciona assim: quem critica o que quer
que seja do capitalismo é imediatamente rotulado de comunista. Quem
criticou o governo FHC era (ou é)
inexoravelmente um petista, da mesma forma que quem critica o governo
Lula é tucano.
Quem critica Bush é inexoravelmente partidário de Saddam Hussein ou, pior, membro da Al Qaeda.
Quanta tolice, Deus do céu. O fato
de desqualificar o argumentador, em
vez de discutir o argumento, torna a
vida mais fácil. Não é preciso parar
para pensar. Basta enxergar ou atribuir uma intenção qualquer (ideológica ou de outra natureza) e encerrar
a discussão.
O mundo é bem mais complexo do
que isso que Luís Nassif chamou certa vez de raciocínio binário.
Sorte dos leitores que, na terça-feira, o filósofo Roberto Mangabeira
Unger tenha ensinado que "as nações
mais bem-sucedidas são aquelas que
parecem manejar bem tanto o mercado como o dirigismo".
Na edição de ontem, Fernando
Cardim de Carvalho, professor da
UFRJ, atacou "os oito mitos" que cercam a política econômica.
Por falta de espaço, reproduzo apenas o mito 1, o de que "só existe uma
política macroeconômica possível, a
que está sendo implementada".
Cardim escreve que "alimenta-se
este mito descrevendo a política empregada pelos seus objetivos, e não
pelos seus instrumentos. Ora, quem
seria a favor da inflação elevada ou
da irresponsabilidade fiscal?".
É exatamente a aplicação do raciocínio binário que estiola o debate. Se
você critica a alta dos juros ou a elevação da meta do superávit fiscal, entra inexoravelmente para a lista dos
"radicais" que querem tocar fogo na
pátria.
É bom ver que há vida inteligente
no planeta Brasil. Temo, no entanto,
que os dois sejam solitários.
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