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São Paulo, sábado, 12 de abril de 2003

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CLÓVIS ROSSI

Há mais que dois lados na vida

WASHINGTON - Esta Folha publicou ontem e na terça-feira dois artigos absolutamente imperdíveis para qualquer um que queira tirar o debate público da indigência em que habitualmente rasteja no Brasil.
No pobre país tropical, a coisa funciona assim: quem critica o que quer que seja do capitalismo é imediatamente rotulado de comunista. Quem criticou o governo FHC era (ou é) inexoravelmente um petista, da mesma forma que quem critica o governo Lula é tucano.
Quem critica Bush é inexoravelmente partidário de Saddam Hussein ou, pior, membro da Al Qaeda.
Quanta tolice, Deus do céu. O fato de desqualificar o argumentador, em vez de discutir o argumento, torna a vida mais fácil. Não é preciso parar para pensar. Basta enxergar ou atribuir uma intenção qualquer (ideológica ou de outra natureza) e encerrar a discussão.
O mundo é bem mais complexo do que isso que Luís Nassif chamou certa vez de raciocínio binário.
Sorte dos leitores que, na terça-feira, o filósofo Roberto Mangabeira Unger tenha ensinado que "as nações mais bem-sucedidas são aquelas que parecem manejar bem tanto o mercado como o dirigismo".
Na edição de ontem, Fernando Cardim de Carvalho, professor da UFRJ, atacou "os oito mitos" que cercam a política econômica.
Por falta de espaço, reproduzo apenas o mito 1, o de que "só existe uma política macroeconômica possível, a que está sendo implementada".
Cardim escreve que "alimenta-se este mito descrevendo a política empregada pelos seus objetivos, e não pelos seus instrumentos. Ora, quem seria a favor da inflação elevada ou da irresponsabilidade fiscal?".
É exatamente a aplicação do raciocínio binário que estiola o debate. Se você critica a alta dos juros ou a elevação da meta do superávit fiscal, entra inexoravelmente para a lista dos "radicais" que querem tocar fogo na pátria.
É bom ver que há vida inteligente no planeta Brasil. Temo, no entanto, que os dois sejam solitários.


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