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São Paulo, sábado, 12 de abril de 2003

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CARLOS HEITOR CONY

Vida complicada

RIO DE JANEIRO - Indo pouco à cidade, evitando andar pelas ruas cheias de calor e imprevistos, não o tenho visto. Mas sempre me encontrava com ele, ex-colega de seminário, que não aguentara os estudos e saíra para ganhar a vida aqui no mundo como garçom numa confeitaria de luxo, na Cinelândia dos velhos tempos.
Chamava-se Ricardo, era bem apessoado e bastante religioso. Queria realmente ser padre, mas a cabeça não o ajudava a aprender as declinações latinas, os concílios plenários de Nicéia em diante, os nomes dos rios da margem esquerda do Amazonas -e os da margem direita também.
Até que um professor de história pediu que ele fosse embora, abandonasse de vez os estudos, tentasse ser bom cristão, mas exercendo outro ofício.
Ele nunca esqueceu a gota d'água que fez o professor perder a paciência: depois de uma aula sobre o Império Romano, foi perguntado em que ano morrera Agripina. Para ajudá-lo, o professor lembrou-lhe a idade de Cristo, 33 anos.
Nem assim Ricardo acertou o ano em que morrera a mãe de Calígula. Ele pensou, pensou, o que que tinha a idade de Cristo a ver com a morte de Agripina? Começou a suar na testa, tinha um suor na testa toda vez que pensava muito, e terminou entregando os pontos. Bastava ter dito: ano 33 de nossa era.
Para servir "waffles" com ice-cream de morango ele não precisava saber disso. E sempre que eu o via, vestido de branco, com um enorme avental com a logomarca da confeitaria no peito, pensava nas coisas inúteis que nos obrigam a aprender.
Outro dia, vendo um documentário sobre o Brasil Central, fiquei admirado com as diversidade dos capins que alimentam o gado vacum. Para mim, tudo que é capim é capim, mas, ledo e ivo engano! Há umas 50 espécies de capim, com nomes e funções diferenciadas. Daí que corrijo Guimarães Rosa: viver não é muito perigoso. É muito complicado.


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