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CARLOS HEITOR CONY
Vida complicada
RIO DE JANEIRO - Indo pouco à cidade, evitando andar pelas ruas cheias
de calor e imprevistos, não o tenho
visto. Mas sempre me encontrava
com ele, ex-colega de seminário, que
não aguentara os estudos e saíra para ganhar a vida aqui no mundo como garçom numa confeitaria de luxo, na Cinelândia dos velhos tempos.
Chamava-se Ricardo, era bem
apessoado e bastante religioso. Queria realmente ser padre, mas a cabeça
não o ajudava a aprender as declinações latinas, os concílios plenários de
Nicéia em diante, os nomes dos rios
da margem esquerda do Amazonas
-e os da margem direita também.
Até que um professor de história pediu que ele fosse embora, abandonasse de vez os estudos, tentasse ser bom
cristão, mas exercendo outro ofício.
Ele nunca esqueceu a gota d'água
que fez o professor perder a paciência: depois de uma aula sobre o Império Romano, foi perguntado em que
ano morrera Agripina. Para ajudá-lo, o professor lembrou-lhe a idade de
Cristo, 33 anos.
Nem assim Ricardo acertou o ano
em que morrera a mãe de Calígula.
Ele pensou, pensou, o que que tinha a
idade de Cristo a ver com a morte de
Agripina? Começou a suar na testa,
tinha um suor na testa toda vez que
pensava muito, e terminou entregando os pontos. Bastava ter dito: ano 33
de nossa era.
Para servir "waffles" com ice-cream
de morango ele não precisava saber
disso. E sempre que eu o via, vestido
de branco, com um enorme avental
com a logomarca da confeitaria no
peito, pensava nas coisas inúteis que
nos obrigam a aprender.
Outro dia, vendo um documentário sobre o Brasil Central, fiquei admirado com as diversidade dos capins que alimentam o gado vacum.
Para mim, tudo que é capim é capim,
mas, ledo e ivo engano! Há umas 50
espécies de capim, com nomes e funções diferenciadas. Daí que corrijo
Guimarães Rosa: viver não é muito
perigoso. É muito complicado.
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