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TENDÊNCIAS/DEBATES
O Banco Central deve ser autônomo?
NÃO
Implicações profundas e negativas
MARIA CRISTINA PENIDO DE FREITAS
A aprovação da PEC nš 53 no dia
3 de abril, alterando a redação do
art. 192 da Constituição, que dispõe sobre a regulamentação do sistema financeiro nacional, provocou euforia entre
aqueles que defendem a autonomia do
Banco Central do Brasil. Mas o que significa conceder autonomia ao BC?
Quais as implicações dessa mudança
institucional, que, longe de ser trivial,
merece ser amplamente debatida?
Embora do ponto de vista jurídico haja quem afirme que independência e autonomia são conceitos distintos, no debate entre os economistas no Brasil e no
exterior as duas palavras são frequentemente utilizadas como sinônimos.
Em termos da teoria econômica, a tese
de independência dos bancos centrais
data dos anos 80. No espaço deste artigo
não é possível recuperar os fundamentos teóricos dessa tese nem detalhar o
contexto do seu surgimento. Cabe, porém, destacar que seus defensores integram a escola novo-clássica, a atual da
corrente dominante da economia. Para
esta escola, a independência do BC diz
respeito à sua competência para formular e executar a política monetária, sem
intervenção do Executivo, com objetivo
de assegurar a estabilidade dos preços,
mesmo que tal ação contrarie propósitos das autoridades políticas.
A independência do Banco Central
para a formulação e execução da política monetária seria o modo mais eficaz
de evitar os efeitos deletérios da intervenção estatal, cuja ação para estimular
a produção e o emprego só teria como
consequência no curto prazo a elevação
da inflação. A adoção pelo BC da estabilidade de preços como objetivo exclusivo seria o passo adicional para conferir
credibilidade à política monetária. Desse modo, a concessão de autonomia plena para a formulação e execução da política monetária e a adoção do regime de
metas de inflação são indissociáveis para os defensores da independência.
A adoção de metas de inflação como
objetivo único do Banco Central engessa toda a política econômica, impede a
coordenação de políticas e retira do
Executivo o poder de formular a política
monetária. Em um regime de metas de
inflação, todas as demais políticas tornam-se subordinadas à política monetária. Até mesmo a formulação da política fiscal fica limitada, pois, ao manejar
a taxa de juros para cumprir a meta de
inflação fixada, o Banco Central condiciona a execução orçamentária do Tesouro. Assim, procura-se atender ao objetivo central dos seus defensores, que é
"despolitizar" a política econômica.
Para exercer suas atribuições de forma independente e sem interferência do
governo, o BC precisaria contar com autonomia operacional, administrativa e
patrimonial. A autonomia operacional
é a liberdade de ação e definição dos
meios para cumprir seus objetivos; a
autonomia administrativa baseia-se em
mandatos fixos e em regras rígidas de
demissibilidade dos seus diretores; e a
autonomia patrimonial é liberdade para
gerir o seu próprio orçamento.
No caso brasileiro, o Banco Central é
uma autarquia e já conta, em termos legais, com autonomia patrimonial e autonomia operacional para a execução
de política. Só estaria faltando a autonomia administrativa, ou seja, a definição
de mandatos fixos para os seus diretores. Porém esta questão é relativamente
menos importante no momento atual.
A troca dos dirigentes em janeiro de
2003 não provocou alteração na forma
de atuação do banco, que, desde junho
de 1999 -quando se introduziu o regime de metas de inflação-, atua, na prática, de forma independente na formulação da política monetária.
Por que o Brasil deve ter um Banco
Central autônomo, com uma meta única -o controle da inflação-, como declarou recentemente o seu presidente,
quando questionado se interviria no
mercado de câmbio para interromper a
valorização do real?
O regime de metas de inflação não é o
único nem o melhor instrumento de
política monetária. Nem sequer é o mais
adequado em um país periférico como
o Brasil, que não possuiu moeda internacionalmente conversível e apresenta
enorme vulnerabilidade externa. A economia brasileira vive sujeita à volatilidade dos fluxos de capital, com impactos consideráveis sobre a taxa de câmbio, que contamina os preços "controlados" das concessionárias de serviços
públicos e dos produtos comercializáveis, pressionando a inflação. A elevação dos juros não tem tido o efeito esperado sobre a estabilidade dos preços,
mas é sério obstáculo à retomada do
crescimento e geração de empregos.
A reclamação do presidente Lula sobre ficar sabendo do aumento das tarifas pelos jornais também se aplica às decisões do Copom, formado exclusivamente por membros da diretoria do
Banco Central. Da formulação da política monetária não participam representantes do governo, que foi eleito com a
promessa de mudança nos rumos da
política econômica. Como toda autarquia, o BC deveria ter autonomia para a
execução da política monetária, mas jamais para formulá-la. A herança do governo FHC é, sem dúvida, pesada, mas
não pode servir de desculpa para a equipe econômica seguir no caminho da ortodoxia, como se fosse a única via possível da política macroeconômica.
Maria Cristina Penido de Freitas, 44, doutora
em economia pela Universidade de Paris 13, é
organizadora e co-autora do livro "Abertura do
Sistema Financeiro no Brasil nos Anos 90" (Fundap/Fapesp/Ipea).
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