São Paulo, segunda-feira, 12 de abril de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

FERNANDO RODRIGUES

Escárnio

BRASÍLIA - Certas atitudes registram à perfeição o caráter de um país, de suas instituições e de seus políticos. É o caso da renovação do contrato para a realização do Grande Prêmio de F-1 em São Paulo.
O acordo foi anunciado outro dia pela prefeita Marta Suplicy (PT) e pela empresa responsável pelo evento, a International Promotions.
E daí? Daí que o contrato vigorará até o dia 4 de dezembro de 2009. Ocorre que várias das escuderias de F-1 são patrocinadas por empresas fabricantes de cigarro. A lei brasileira só permite propagandas de tabaco em eventos esportivos até 30 de setembro de 2005.
Depois dessa data, restam três opções. 1) a F-1 se rende à lei brasileira e deixa de usar marcas de cigarro em seus carros; 2) a F-1 desiste do Brasil; 3) o governo brasileiro dá mais uma colher de chá e altera o prazo para propaganda de cigarro aparecer em eventos esportivos.
No ano passado, Marta Suplicy fez Lula baixar uma medida provisória alterando uma lei de 1996, que proibia a propaganda de cigarros já em 2003. O presidente aceitou a humilhação. A MP saiu. Bernie Ecclestone, o chefão da F-1, divertiu-se com a cordialidade local. Comentou com uma frase que se tornou um clássico instantâneo: "This is Brazil".
O argumento da prefeita Marta e dos defensores do cigarro é que a corrida de F-1 aquece a economia, surgem empregos etc. OK. Como diz Lula, prostituição infantil e bingos também criam postos de trabalho.
Na Prefeitura de São Paulo, o secretário de Esportes, Júlio Filgueira, declara que "não foi objeto de negociação" a proibição de propaganda de cigarros pós-2005. O empresário Tamas Rohony, organizador do GP Brasil, repete o secretário: "Não se tocou nesse assunto". É um escárnio. Falaram de milhões de dólares sem mencionar quem paga a conta.
Tudo bem. Lula disse que mudaria o Brasil. Está mudando. Equipara o país ao Bahrein, no meio do deserto, que aceita sem restrição propaganda de cigarros em eventos esportivos.


Texto Anterior: São Paulo - Vinicius Torres Freire: O Brasil é irreversível?
Próximo Texto: Rio Janeiro - Carlos Heitor Cony: Vítimas e cúmplices
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.