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MELCHIADES FILHO
Boa viagem
BRASÍLIA - "Isso aqui é uma desgraceira", costuma dizer Lula. Daí o
conselho dele a todo ministro: passar alguns dias da semana em outro
lugar. Brasília, segundo o presidente, embota o olhar e drena o ânimo
para a gestão e para a política.
A avaliação não é descabida. Brasília reúne muita gente interessante, mas poucas idéias que interessam. O debate é ensimesmado, reflexo tanto da polarização do jogo
político como da falta de espaços
urbanos de convivência acidental.
Viajar é preciso, portanto. O problema é o encaminhamento que o
governo dá a esse diagnóstico.
Não se trata de reproduzir o discurso oposicionista contra a caravana do PAC. Se a repercussão é
exagerada, já que em muitos casos
ainda não há nada para inaugurar, a
responsabilidade não é somente do
Planalto, mas também de quem
aceita a emboscada midiática.
Tampouco cabe condenar o recorde de visitas a outros países. O
interesse brasileiro é cada vez mais
internacional. Faz sentido Lula lá.
Vale a pena, porém, notar que o
presidente que vive a escapulir da
capital nem pensou em visitar as cidades do Nordeste arrebentadas
pelas enchentes. Assim como não
cogitou pisar em Jacarepaguá, em
Campo Grande ou na Baixada Fluminense, focos dramáticos de dengue. Na Roraima dos arrozeiros,
nunca apareceu. Podia tirar a limpo
ele mesmo as denúncias de trabalho escravo, mas deixar o palácio
para se enfiar no interior do Pará?
Pelo jeito, o acidente da TAM estreou um protocolo -Lula, lembre-se, ignorou Porto Alegre e São Paulo e guardou silêncio por dias, convenientemente evitando possíveis
protestos e a associação de seu governo à tragédia de Congonhas.
Criar uma agenda positiva não é
algo trivial na administração pública. Na economia, que depende de
expectativas, ela vale ouro.
Mas Lula leva ao extremo a decisão de só sair na boa. Além de fugir
de Brasília, mantém distância das
outras desgraças da República.
mfilho@folhasp.com.br
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