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FERNANDO DE BARROS E SILVA
Os soldados de Dunga
SÃO PAULO - No lugar da aposta,
o previsível; no lugar do talento, a
disciplina; no lugar da alegria, o trabalho; no lugar das estrelas, os esforçados. Essa é a cara da seleção de
Dunga -ele próprio previsível, disciplinado, esforçado e... aborrecido.
A convocação traduz a opção por
uma equipe obreira e comportada.
Uma equipe em que não há solistas,
mas carregadores de piano submetidos à batuta do maestro. Kaká, o
"astro", parece menos um solista do
que um músico exemplar, cuja dedicação obstinada, apesar do talento, serve de referência para os demais. Kaká representa o limite tolerável para o brilho individual num
ambiente que está concebido para
que ninguém brilhe, a não ser, se tudo der certo, o próprio condutor.
Essa concepção tarefeira e um
tanto sisuda e triste do futebol vem
acompanhada pelo discurso, muito
enfatizado por Dunga, do amor à
pátria, da doação ilimitada, da superação, do resgate do orgulho e da
paixão de vestir a camisa da seleção.
É um discurso construído a partir
da ideia de que a geração de 2006
foi derrotada porque não havia
compromisso real com a seleção
-muitos ali seriam "mercenários"
ocupados com a própria fama.
O clamor patriótico de Dunga parece ser sincero (o que não o torna
melhor), mas também soa oportunista e marqueteiro quando se sabe
que ele próprio o utiliza para vender cerveja a preço de ouro numa
campanha de TV em que aparece
berrando bordões do tipo "eu quero
raça!". Vender a alma não é isso?
Há um jeito esclarecido, cosmopolita, de gostar do Brasil. E há um
patriotismo tosco, burrinho, que
costuma servir de válvula de escape
para pendores autoritários e fanatismos afins. Em seus piores momentos, é esse o sentimento que o
futebol mobiliza e atrai.
Há algo profundamente regressivo no espírito cívico-militar que
Dunga confere à sua seleção de
"soldados da pátria". Nessa guerra
lúdica e imaginária, deixamos em
casa algumas das nossas melhores
armas: talento, alegria, genialidade.
Que vençam os artistas da bola!
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