São Paulo, quinta-feira, 12 de maio de 2011

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Terrorismo, islã e a democracia árabe

HUSSEIN ALI KALOUT


Os atentados terroristas da Al Qaeda constituem o maior desserviço que Bin Laden poderia prestar ao mundo islâmico e ao mundo árabe

A morte de Osama bin Laden, líder da rede de terrorismo Al Qaeda, representa o cumprimento de um objetivo político com forte sentido simbólico para a sociedade global, em especial para a norte-americana. A estrutura piramidal da Al Qaeda, com Bin Laden no cume, foi sendo desmantelada e fragmentada em células autônomas e desorganizadas, que estão espalhadas pelo mundo muçulmano.
A paralisia da organização decorre, em boa medida, do rastreamento e do bloqueio dos recursos financeiros da rede, o que limitou sua capacidade operacional.
Entretanto, a problemática do terrorismo internacional não se equaciona na eliminação de Bin Laden. Sua morte não levará ao fim do fundamentalismo islâmico.
A emergência do extremismo e do radicalismo no mundo muçulmano é oriunda da pobreza, da exclusão e da marginalização social.
Por outro lado, os atentados terroristas da Al Qaeda pelo mundo constituíram-se no maior desserviço que Bin Laden poderia prestar ao mundo islâmico de forma geral e ao mundo árabe em particular.
Um estudo da Academia Militar em West Point (EUA) revela um dado importante: entre 2004 e 2008, 85% dos atentados terroristas foram realizados em territórios de países islâmicos. E as principais vítimas do terror fundamentalista foram os próprios muçulmanos.
As recentes revoluções em prol da democracia nos países árabes marcaram o declínio da filosofia política da Al Qaeda e o fracasso do extremismo fundamentalista.
Da Tunísia à Síria, passando por Egito, Iêmen, Líbia e Bahrein, observa-se um movimento pela democracia e pela laicidade do Estado. A revolução no mundo árabe está calcada na luta pelas liberdades civis e de imprensa, na justiça social, no combate à corrupção e no fim das ditaduras hereditárias.
A luta democrática é caminho sem volta. A geração de jovens árabes exige um novo paradigma e está cansada de retóricas vazias e infundadas. O que demonstra que, ao contrário do pensamento ocidental de outrora, é possível combater o radicalismo islâmico sem a conivência com regimes totalitários.
Nas revoluções pró-democracia em países árabes não se viu invocada em nenhum momento a figura do Bin Laden. Seus simpatizantes não passam de minorias fanáticas que usam e comercializam a religião islâmica conforme suas conveniências. A morte de Bin Laden não vai repercutir na lógica das revoluções democráticas árabes, tampouco alterará a dinâmica do conflito israelo-palestino.
Os impactos principais se concentrarão em duas frentes: primeiro, na reação do extremismo islâmico no Afeganistão, no Paquistão e no Iraque; segundo, no cenário político-eleitoral nos Estados Unidos.
O presidente Barack Obama assegurou sua candidatura à reeleição. Os republicanos não possuem projeto político claro nem uma figura notável para liderar o partido nas eleições presidenciais em 2012. A menos que surjam fatos inusitados, o cenário está definido.
Contudo, em torno dessa operação apresentam-se fatores preocupantes. O primeiro deles concerne às celebrações da morte do terrorista -uma provocação desnecessária e perigosa, que pode incitar o revanchismo dos radicais islâmicos.
O segundo diz respeito à legalidade da ação à luz dos dispositivos do direito internacional público e do direito internacional humanitário.
A credibilidade política dessa operação exaure-se na atuação do governo americano, pautada pela tortura de presos, pela invasão da soberania de uma nação e pela execução sem direito a julgamento do terrorista. Por mais nefastos que tenham sido os seus crimes.

HUSSEIN ALI KALOUT, cientista político, especialista em Oriente Médio, é professor de relações internacionais e secretário de Relações Internacionais do Superior Tribunal de Justiça.

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