São Paulo, quinta-feira, 12 de maio de 2011

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Crenças privadas, mudanças públicas

EBOO PATEL e SAMANTHA KIRBY


É difícil encontrar uma religião ou tradição filosófica que não peça aos seus seguidores que contribuam para melhorar nossa vida comum na Terra

Quando uma bomba suicida explodiu no momento em que os fiéis saíam da missa de Ano-Novo em uma igreja copta em Alexandria, 21 pessoas morreram e 79 ficaram feridas. Seria difícil de imaginar uma maneira mais lúgubre, hedionda ou trágica de saudar a chegada de uma nova década.
Mas durante o Natal copta, mais tarde naquele mês, muçulmanos egípcios formaram uma muralha humana em volta da igreja, garantindo a adoração em paz em seu interior e demonstrando o maior respeito possível por seus compatriotas cristãos. Em ato de igual lealdade, cristãos egípcios formaram corrente humana em volta de muçulmanos durante orações na praça Tahrir, na ocasião das manifestações de massa em fevereiro.
Como devemos interpretar esses fatos? O reverendo Jim Wallis, importante voz evangélica progressista nos EUA, tem um ditado: "Deus é pessoal, mas nunca privado".
Ao imaginar a religião como um assunto unicamente privado, ignoramos os importantes elementos públicos da fé -quer isso signifique ganhar força com a oração em momentos de caos ou viver nossas convicções religiosas de maneira concreta, protegendo outras pessoas para que possam praticar livremente sua fé.
A verdade é que cada uma das religiões mundiais nos pede para nos relacionarmos uns com os outros de maneiras públicas, abrigando os que não têm casa, alimentando os famintos ou protegendo a Terra.
Não importa como visualizemos o paraíso, é difícil encontrar uma religião ou tradição filosófica que não peça a seus seguidores que contribuam para nossa vida comum aqui na Terra. Ao aceitar essa incumbência, a religião não tem como não aparecer em praça pública.
O desafio nos tempos atuais vem da frequência e da intensidade crescentes das interações entre pessoas de afiliações diferentes. O século 21 revela uma combinação singular de diversidade e proximidade em um mundo moldado pelas forças da globalização e pelas novas tecnologias.
Nossas sociedades estão se tornando mais e mais religiosamente diversas -e isso não necessariamente nos traz benefícios.
As pesquisas do sociólogo Robert Putnam revelam que quanto mais diversa é uma sociedade, menos confiança existe entre cidadãos, mais baixos são os índices de cidadãos que votam e mais altos os índices de criminalidade. Mas ele também formula um conceito que podemos usar para fortalecer o capital social em meio à diversidade.
Putnam chama isso de "lançar pontes de capital social": intencionalmente engajar comunidades diversas de maneiras que incentivem a criação de relacionamentos positivos, enfatizem os valores compartilhados e multipliquem a confiança e o trabalho voluntário.
A melhor maneira que encontramos de lançar pontes entre comunidades diversas é por meio da cooperação inter-religiosa: pessoas de crenças diferentes trabalhando juntas em prol do bem comum.
Ao enfrentar juntos questões urgentes de interesse local ou global, conseguimos avançar em uma nova compreensão sobre os outros e entre uns e outros.

Tradução de CLARA ALLAIN.

EBOO PATEL é fundador e presidente da Interfaith Youth Core (IFYC), organização sediada em Chicago que organiza a construção de um movimento para a cooperação inter-religiosa, e SAMANTHA KIRBY é gerente de assuntos públicos da IFYC. Este artigo inicia a série "Religião e espaço público", em colaboração com a Aliança de Civilizações da ONU e seu projeto "Global Experts". A opinião aqui expressa é a dos autores, e não necessariamente reflete a opinião da Aliança.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br


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