São Paulo, segunda-feira, 12 de junho de 2006

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VINICIUS TORRES FREIRE

O mito brasileiro da vitória

SÃO PAULO - O favoritismo do Brasil na Copa leva-nos ao ápice da euforia angustiada típica de gente insegura ou maníaco-depressiva. A vitória causa-nos um breve momento de arrogância. Breve, pois o nacionalismo brasileiro é "soft", mistura de insegurança e condescendência amistosa com os derrotados no "gramado de batalha". De efeitos mais duradouros e intensos será a derrota, que nos impregna de um sentimento esquizóide. Como a vitória confirma uma certeza mítica, que não está no plano do esforço real, seu sabor é breve. A derrota é que precisa de elaboração e explicação demorada. Com a derrota volta o complexo de vira-lata, a percepção de nossa incapacidade crônica de planejar e alcançar sucessos. Mas tal sentimento é amenizado pelo mito de que o destino do nosso futebol é a vitória. Perdemos apenas devido a acidentes contornáveis, ao erro manifesto e quase traiçoeiro de "a" ou "b", o bode expiatório da vez. É raro admitir que o adversário foi melhor, básico do espírito esportivo. Apesar de nos causar muito medo, seja Argentina ou Japão, o adversário inexiste. O Brasil sempre perde para si mesmo. E tudo bem se o "jeitinho" nos poupa da disciplina do aperfeiçoamento ou auxilia a realização da profecia da vitória. O mito da vitória inevitável no futebol está em companhia dos mitos da nossa alegria e bondade naturais, da "riqueza" natural do Brasil. A riqueza não se realiza, diz o mito, devido à herança católica e escravocrata, a políticos, economistas, perdas internacionais, bancos, saúvas. Tal é a nossa alienação básica. Na ordem natural do nosso conto de fadas, a Copa é nossa. O ouro brota da terra sem que se recorra a máquinas eficientes. A associação apolítica e carnavalesca dos brasileiros de bom coração ou a vinda do salvador nos desobriga do trabalho eficaz, do estudo e da política ativa.

vinit@uol.com.br

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