São Paulo, segunda-feira, 12 de junho de 2006 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Ameaça dos micróbios e ataque dos vermes
DAVID UIP
Nos últimos 15 anos, novos agentes biológicos foram descobertos e associados a doenças. São exemplos o vírus da febre hemorrágica brasileira e o da gripe aviária. Em outro fronte, cerca de 2 bilhões de pessoas vivem em áreas sob risco epidêmico de dengue; 400 milhões estão infectadas pelo vírus B e 170 milhões pelo C da hepatite; 45 milhões, pelo HIV -95% deles em países em desenvolvimento. A esses números podemos acrescentar um terço da população mundial infectada pela tuberculose e 1 milhão de pessoas que morrem por ano de malária. O quadro nos remete a inúmeras inquietações. A primeira delas é se há investimentos da indústria mundial para a descoberta de novos imunizantes e antimicrobianos, inclusive para doenças que mais afetam países em desenvolvimento. Outra é como evitar a estimativa de 57 milhões de mortes no mundo por doenças infecciosas e parasitárias, se não houver investimentos em saneamento básico. Se o mapa das doenças infecto-contagiosas pende para os países pobres, o da distribuição de recursos também é desigual. Cerca de 90% dos recursos mundiais na saúde são consumidos por 10% da população do mundo. O Brasil investe apenas 7,6% de seu PIB em saúde e, mesmo assim, 59% desse montante vêm do setor privado e apenas 41% do público. O segmento de saúde suplementar, um dos investidores do sistema, está insatisfeito desde as operadoras até os prestadores de serviço, os hospitais e os profissionais, todos insuficientemente remunerados. Os usuários, por sua vez, sentem-se ludibriados em seus direitos. Os hospitais públicos universitários precisam de recursos adequados para a assistência e diferenciados, de outras fontes que não secretarias e Ministério da Saúde, para manter o ensino e a pesquisa de excelência. Enfim, a Constituição brasileira de 1988 acertou, sem dúvida, no modelo de saúde no Brasil, ao formular as diretrizes do SUS, mas ainda falta definir quem paga a conta. Para sair dessa equação que não fecha diante dos imensos desafios, a saúde precisa de investimentos, gestão eficiente, inclusive do conhecimento, criatividade e uma boa dose de moralização. A aprovação da Emenda Constitucional nš 29 foi importante, e há grande expectativa na aprovação do projeto de lei complementar nš 1, de 2003, que destina 10% das receitas brutas para a saúde. Mas é na aplicação dos recursos na saúde que o problema é dramático e, nessa área, temos amostras nacionais de vermes que em nada perdem para as que prevalecem do mundo. São exemplos os vampiros da máfia do sangue, os sanguessugas das ambulâncias, as amebas de vida livre -que surrupiam materiais de hospitais públicos e privados- e os "vermes de colarinho branco", exímios em desviar dinheiro desde a origem, no Orçamento, até o destino final, em programas de prevenção e atenção básica à saúde da população. Um verme para formar quadrilhas e causar danos a tantas pessoas deve contar com associados hierarquicamente superiores que promovam integração. A corrupção é um estado de adaptação do ser humano inescrupuloso ao meio nefasto no qual pensa que vai continuar a sobreviver. Enganam-se os que acreditam que essa doença endêmica jamais será erradicada. Nós, profissionais da saúde, devemos e já iniciamos um grande processo de demonstração de indignação com o que acontece e, quiçá, sempre ocorreu no Brasil. Mas apenas indignação não basta. As campanhas políticas estão nas ruas e o voto nas mãos de cada um. Não se cura verminose com voto branco ou nulo. O melhor remédio talvez seja o bom e antigo "bisturiciclina" desses micróbios e vermes da saúde diretamente na boca da urna. DAVID EVERSON UIP é professor titular da FMABC, professor livre docente da FMUSP, diretor executivo do Incor-HCFMUSP e coordenador do Programa de Cooperação Brasil-Angola de Luta contra Sida e Endemias. Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Luiz Marinho: Erradicar o trabalho infantil: tarefa de todos Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
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