São Paulo, Sábado, 12 de Junho de 1999
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O novo programa de crédito educativo do governo beneficia os estudantes?

NÃO
Agiotagem educacional

RICARDO CAPPELLI

O fim da filantropia nas universidades particulares suscitou debates sobre a simbiose entre o Estado e o ensino privado no Brasil. De nossa parte, achamos um grande avanço acabar com a generalização desse benefício. Já havia algum tempo que denunciávamos que a maioria das instituições beneficiadas não exercia nenhum tipo de filantropia; só usava o certificado para se esquivar do recolhimento de impostos e, com isso, aumentar seus rendimentos, lesando toda a sociedade. Apesar de essa iniciativa ter nossa aprovação, é preciso esclarecer alguns fatos.
A filantropia se generalizou nos últimos anos como política oficial do governo, que via em cada abertura de instituição filantrópica de ensino superior uma fonte de financiamento de campanhas eleitorais e de votos no Parlamento. São notórios o poder do lobby do ensino particular no Congresso e seu peso na bancada governista.
A mudança na lei da filantropia, no entanto, tem a ver com o ajuste fiscal, que o governo fez por pressão do Fundo Monetário Internacional. Em 1998, o Brasil pagou cerca de US$ 50 bilhões em juros da dívida; neste ano, o pagamento pode chegar ao dobro desse valor. Boa parte dele sai de cortes de verbas nas áreas sociais e da extinção da imunidade fiscal de entidades filantrópicas, com a qual o Executivo espera arrecadar mais de R$ 2 bilhões, o equivalente a uma semana de juros.
Outro fator que precisa ser considerado é que a coerência de acabar com a "pilantropia" não pode, por outro lado, inibir iniciativas de instituições que fazem benemerência de fato, inclusive porque o poder público se omite de suas obrigações sociais e as transfere para organizações assistenciais.
É preciso delimitar bem os campos. Por isso, apoiamos projetos do Congresso que permitem que o total de bolsas de estudo concedidas pelas instituições possa ser descontado do imposto devido -a cota patronal do INSS-, independentemente de ser bolsa integral ou parcial. Há o perigo de evasão em massa das universidades: ao acabar com a filantropia e não permitir o abatimento das bolsas parciais, o governo, demonstrando indiferença para com os estudantes brasileiros, deu motivos para que as universidades anunciassem o cancelamento dos subsídios aos alunos carentes e o aumento das mensalidades. Isso consegue prejudicar todos de uma só vez: os que tinham bolsas ficam sem ajuda, e os que não tinham vão pagar mais pela anuidade escolar.
Se a intenção da medida fosse realmente moralizar o serviço público e, consequentemente, a educação, o governo deveria não só permitir o desconto das bolsas como fiscalizar o aumento ilegal de mensalidades. Ao contrário: o Ministério da Educação não só fechou os olhos para isso como autorizou reajuste de preços na reedição (eterna) da medida provisória que rege as mensalidades escolares. Com isso, o MEC dificulta ainda mais o já restrito acesso ao ensino superior. Não aceitamos reajuste sob o pretexto do fim da filantropia. Se é verdade que a nova lei inviabiliza as universidades, elas devem abrir suas contas para uma auditoria da comunidade e permitir que esta participe das decisões e busque soluções.
Não é possível que o MEC, diante desse drama, apresente como solução o novo crédito educativo. Ele não é suficiente nem para atender os alunos que recebiam bolsas das ex-universidades filantrópicas, quanto mais para novos financiamentos de estudantes da rede privada que estão inadimplentes (cerca de 35%). O ministério aumentou a taxa de juros do crédito, de 6% para 12% ao ano, e extinguiu o prazo de carência de 12 meses existente na regra anterior. Agora, a pessoa passa a pagar logo depois de formada, mesmo que não tenha conseguido emprego.
Para os ex-bolsistas das instituições filantrópicas, o novo crédito é uma arapuca, já que antes eles recebiam bolsas não-restituíveis e agora terão de fazer seu ressarcimento à CEF. Com tantas novidades, o crédito educativo deixa de ser uma ajuda educacional para tornar-se uma operação de empréstimo bancário, sob as regras do mais puro sistema mercantilista. Será que o acesso e a permanência no ensino superior passam pela inauguração da agiotagem educacional? Estamos convictos de que não é esse o caminho, mas o ministro Paulo Renato talvez possa explicar que filosofia educacional é essa.


Ricardo Cappelli, 27, é presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes) e aluno de informática da Universidade Estácio de Sá (RJ).



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