São Paulo, segunda-feira, 12 de julho de 2004

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MARCOS AUGUSTO GONÇALVES

Muda a gestão, fica a lógica

SÃO PAULO - Por mais que se levantem senões à comparação entre os ganhos auferidos por aplicações financeiras e investimentos produtivos no Brasil, não há como escapar à conclusão de que a economia brasileira, em detrimento do crescimento, vem patrocinando nos últimos tempos um verdadeiro espetáculo das finanças. Como mostrou a Folha na edição de ontem, uma aplicação conservadora rendeu, de nove anos para cá, quatro vezes mais do que o investimento produtivo.
Vivemos numa espécie de república de rentistas, na qual todos os que podem, das classes médias às elites, alimentam uma gigantesca engrenagem financeira que tem no Estado seu principal motor. O monstruoso endividamento público gerado ao longo do governo Fernando Henrique Cardoso merece com sobras o epíteto de "herança maldita" ao ter-se transformado num limitador persistente e fundamental do crescimento econômico. E não é de estranhar que, nessa lógica de topar tudo por dinheiro para financiar a dívida, se tenha chegado a uma situação na qual capitais financeiros e investimentos produtivos são tratados de maneira assimétrica, com sintomática vantagem para os primeiros.
A facilidade com que investidores entram e saem do Brasil, em prazos muitas vezes extremamente curtos, para obter vantagens com juros ou câmbio, contrasta com as incertezas e os custos impostos ao capital produtivo. Em determinadas circunstâncias, esses fluxos voláteis e especulativos podem se constituir em fator de instabilidade, alimentando crises cambiais que acabam, como já se viu no passado, por abortar movimentos de crescimento da economia.
Apesar disso, tornou-se uma espécie de tabu, no debate nacional, a discussão sobre medidas capazes de melhor controlar esse vaivém especulativo. Muda a gestão, mas não muda a lógica, num governo que se autoproclamou portador de mudanças, mas que, de novo mesmo, está para nos apresentar em breve seu belo avião.


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