São Paulo, segunda-feira, 12 de julho de 2004

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FERNANDO RODRIGUES

País sem jeito

BRASÍLIA - Rápido no gatilho, Clóvis Rossi captou e comentou muito bem ontem a notícia mais importante dos últimos dias: o drama dos brasileiros que fogem para o exterior em busca de emprego. Três morreram em menos de dois meses.
O último foi o de Ricardo Luiz Ignacio. Morreu por causa do calor intenso no deserto do Texas.
A emigração ilegal de brasileiros é uma das páginas mais tristes da história recente do país. São pessoas na sua imensa maioria honestas. Querem trabalhar. Desesperançados, desistem do Brasil. Submetem-se a condições subumanas de vida.
No Japão, vi brasileiros cumprindo jornadas de 15 horas por dia em uma fábrica nos arredores de Tóquio. Em Londres, no início dos anos 80, brazucas ilegais congelavam água numa pequena forma do tamanho exato de uma moeda de uma libra. O "dinheiro" de gelo servia para acionar o aquecedor do local onde passavam a noite -sim, o aquecedor funcionava na base da moeda.
Em 1988, em Nova York, a cena mais emblemática. Algemados pelos pés e pelas mãos, um grupo de brasileiros foi levado pelas autoridades norte-americanas até a 5ª Avenida, onde estava o luxuoso consulado do rico (sic) Brasil. Seriam deportados. Na saída, já sem as algemas, alguns saíram correndo. Escaparam.
Corri atrás de um deles. Era verão. Calor manauara em Nova York. Alcancei-o dez quadras depois. Vinha de Minas Gerais. Não sabia falar inglês, não tinha documentos, estava com a roupa do corpo e nunca estivera fora de seu país. Encontrava-se só, no meio de Manhattan. Como iria se virar? Não seria melhor retornar ao seu país? "O Brasil não tem jeito", disse. Saiu correndo. Sumiu.
Agora, 16 anos depois, muito mais brazucas tentam esse caminho. Alguns, os que ficamos sabendo, morrem no deserto. A manchete da Folha de ontem dizia que deixar o dinheiro no banco rende quatro vezes mais do que investir em produção e na criação de empregos. Tem jeito, o Brasil? No curto prazo, nenhum. Zero.


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