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CLÓVIS ROSSI
Ousadia de segunda classe
SÃO PAULO- Morreu dias atrás Bernard Levin, considerado o decano
dos colunistas britânicos, do qual seu
antigo jornal, "The Times", disse que
abordava cada tópico "com ambos os
revólveres carregados". Espero que
esta Folha se lembre disso para colocar como meu epitáfio algum dia.
O jornal reproduziu texto de Levin
sobre a então estatal britânica British
Rail que dizia o seguinte:
"A British Rail anunciou que a viagem de segunda classe será abolida
em breve. Ou melhor: a British Rail
anunciou que a viagem de segunda
classe não será abolida em breve".
"O truque está nas palavras, não na
viagem; tudo permanecerá exatamente na mesma, exceto que a segunda classe será rebatizada "standard". Os trens ainda serão sujos, desconfortáveis e com atrasos, a comida
ainda será "disgusting" (em inglês fica
mais forte e mais britânico) e as tarifas continuarão a subir; mas a segunda classe será chamada "standard",
então tudo está bem".
Dá para dizer algo parecido a respeito do governo do PT. Faz tudo
mais ou menos como fazia o governo
anterior, mas batiza o que faz de forma diferente.
Veja-se o mais recente exemplo: o
ministro Antonio Palocci usa como
exemplo de "ousadia" do atual governo os casos levados à Organização
Mundial do Comércio contra a
União Européia (açúcar) e Estados
Unidos (algodão). Esquece, no entanto, de mencionar que os dois processos foram iniciados no governo anterior, que a retórica do PT à época batizava de "entreguista". A "ousadia"
do PT nesses casos foi simplesmente
zero. Todo o processo, todos os argumentos, tudo, enfim, foi montado no
governo anterior.
O comentário de Palocci, além da
apropriação indébita, é revelador do
caráter das políticas petistas: acha
"ousadia" um país defender seus direitos só porque, do outro lado, estavam os dois gigantes da economia e
do comércio no planeta.
É ou não um caso de pensamento
de segunda classe rebatizado para
"ousadia"?
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