São Paulo, quinta-feira, 12 de agosto de 2004

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CLÓVIS ROSSI

Ousadia de segunda classe

SÃO PAULO- Morreu dias atrás Bernard Levin, considerado o decano dos colunistas britânicos, do qual seu antigo jornal, "The Times", disse que abordava cada tópico "com ambos os revólveres carregados". Espero que esta Folha se lembre disso para colocar como meu epitáfio algum dia.
O jornal reproduziu texto de Levin sobre a então estatal britânica British Rail que dizia o seguinte:
"A British Rail anunciou que a viagem de segunda classe será abolida em breve. Ou melhor: a British Rail anunciou que a viagem de segunda classe não será abolida em breve".
"O truque está nas palavras, não na viagem; tudo permanecerá exatamente na mesma, exceto que a segunda classe será rebatizada "standard". Os trens ainda serão sujos, desconfortáveis e com atrasos, a comida ainda será "disgusting" (em inglês fica mais forte e mais britânico) e as tarifas continuarão a subir; mas a segunda classe será chamada "standard", então tudo está bem".
Dá para dizer algo parecido a respeito do governo do PT. Faz tudo mais ou menos como fazia o governo anterior, mas batiza o que faz de forma diferente.
Veja-se o mais recente exemplo: o ministro Antonio Palocci usa como exemplo de "ousadia" do atual governo os casos levados à Organização Mundial do Comércio contra a União Européia (açúcar) e Estados Unidos (algodão). Esquece, no entanto, de mencionar que os dois processos foram iniciados no governo anterior, que a retórica do PT à época batizava de "entreguista". A "ousadia" do PT nesses casos foi simplesmente zero. Todo o processo, todos os argumentos, tudo, enfim, foi montado no governo anterior.
O comentário de Palocci, além da apropriação indébita, é revelador do caráter das políticas petistas: acha "ousadia" um país defender seus direitos só porque, do outro lado, estavam os dois gigantes da economia e do comércio no planeta.
É ou não um caso de pensamento de segunda classe rebatizado para "ousadia"?


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