São Paulo, sábado, 12 de outubro de 2002

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CLÓVIS ROSSI

Entre a rua Wall e a rua

SÃO PAULO - Para, mais uma vez, contrariar a sabedoria convencional, suspeito que o problema de um eventual governo do PT não vá ser o radicalismo que alguns setores suspeitam estar escondido sob a pele de cordeiro vestida pelo partido. Será, ao contrário, o excesso de moderação.
Posto de outra forma: se o PT quiser agradar mais à rua Wall de Nova York do que às ruas brasileiras, vai quebrar a cara.
A menos que consiga provar que é possível combinar a ortodoxia defendida pela rua Wall com a mudança votada pelas ruas tupiniquins (se 76% votaram na oposição, não é, obviamente, para manter as coisas como estão, certo?).
Para começar, ganhe quem ganhar, não terá à mão um instrumento anticíclico clássico, que é aumentar o gasto público em momentos de desaceleração da economia.
O FMI já deu aval para o projeto da Comissão Européia que joga de 2004 para 2006 a obtenção do déficit zero, o que mostra que não se trata de radicalismo, de violação de contratos, o diabo. Trata-se de bom senso, mas só está disponível para brancos, não para nós, pobres mulatinhos.
Aqui, como disse ontem Vinicius Torres Freire, um dos meus diletos chefes, "a princípio, não há alternativa a um regime de pão e água".
É até razoável e sensato que, "a princípio", o PT dê mais atenção à rua Wall que à rua brasileira que votou nele. Os tais mercados têm canhões de acionamento instantâneo capazes de pôr um país de joelhos. Já a rua demora para reagir.
Na Argentina, país em que o sangue, felizmente, ferve mais rápido, foram necessários três anos de recessão para chegar ao "panelaço" que depôs Fernando de la Rúa.
O diabo é que esse "pão e água" do princípio pode condicionar o futuro imediato, criando uma camisa-de-força que ponha um eventual governo do PT no caminho de De la Rúa. Mas não por mudar o rumo, e sim por incapacidade de fazê-lo.



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