São Paulo, terça-feira, 12 de novembro de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Um pacto pela cidadania

ODED GRAJEW

No momento em que o pacto social volta à agenda do país, recordo-me da viagem que organizei para Israel, em 1997, pelo PNBE, Pensamento Nacional das Bases Empresariais.
Reunimos, de forma absolutamente inimaginável para a época, dez empresários, o presidente e o secretário-geral da CUT, Jair Meneguelli e Gilmar Carneiro, e Luiz Antônio de Medeiros, presidente de uma central sindical rival. Fomos para conhecer o pacto social israelense que acabou com a inflação de 30% ao mês. Lembro-me do papel fundamental do Lula, que, apostando desde aquela época na construção de um pacto social, empenhou-se comigo para quebrar resistências e preconceitos.
Se olharmos a relação dos países com melhores indicadores sociais, econômicos e de desenvolvimento humano, percebemos que todos têm em comum uma longa tradição democrática. A democracia desses países mais desenvolvidos passou do estágio de representativa, em que os cidadãos apenas votam e transferem aos eleitos a total responsabilidade pelos destinos da comunidade, para a democracia participativa, na qual os eleitos e os cidadãos compartilham dessa responsabilidade.
Portanto, quando falamos de pacto social, falamos de um processo permanente que envolve toda a sociedade numa série de negociações e acordos sobre diversos assuntos que interessam à comunidade. É uma cultura política que acredita na participação da sociedade e na negociação como formas de lidar com os conflitos, construir a paz social, consolidar a democracia e produzir melhores resultados a curto e longo prazos.
Não é, como alguns pensam, uma forma de eliminar ou mascarar os conflitos, mas um meio de lidar com os conflitos diferente da forma autoritária que pressupõe o confronto, a imposição e a violência como instrumentos de relação. Não é por acaso que nunca houve guerra entre dois países democráticos.
Para institucionalizar a participação da sociedade é fundamental criar instâncias que articulem a relação entre os diversos atores sociais. Os conselhos de desenvolvimento econômico e social constituídos em vários países -e o proposto pelo presidente eleito- desempenham um papel importante, embora não único, na formação de consensos e na articulação de acordos. Esses conselhos são consultivos, emitem pareceres sobre propostas do Executivo e do Legislativo.


Precisamos elevar nossa auto-estima, perceber que temos uma oportunidade histórica de dar uma guinada no nosso destino


Tais pareceres têm um peso político muito grande, pela representatividade dos membros dos conselhos: são lideranças empresariais, dos trabalhadores, dos movimentos e organizações da sociedade e personalidades públicas de notória credibilidade. Os conselhos têm a participação dos membros do governo e do presidente ou primeiro-ministro do país, não substituem o Congresso e outros conselhos existentes, mas contribuem para que os interesses públicos sejam prioritariamente atendidos.
A política é a arte de fazer escolhas e elencar prioridades. A primeira negociação deve levar a um pacto que estabeleça os valores que devem balizar as políticas governamentais e o engajamento da sociedade. A partir dessa definição, várias negociações podem ser estabelecidas para se chegar a algumas propostas. Alguns exemplos da agenda: as reformas fiscal e tributária, a reforma da Previdência, as reformas política e agrária e uma nova legislação ambiental.
Um pacto social poderia influir na elaboração dos orçamentos públicos. Por exemplo, se a educação for priorizada (e certamente deveria ser), poderemos, como muitos países fizeram, dimensionar os recursos necessários para garantir a todos os brasileiros uma educação de qualidade e pressionar para que esses recursos sejam intocáveis. Outros desdobramentos do pacto social seriam campanhas que engajariam a sociedade em ações coerentes com os grandes objetivos nacionais. Alguns exemplos: o investimento das empresas na juventude, contratando jovens de baixa renda, garantindo-lhes trabalho, salário, profissionalização e educação; uma campanha priorizando o consumo de produtos e serviços elaborados no Brasil.
Aqueles que não conhecem em profundidade os processos participativos dos países mais adiantados, ou que ainda não se descontaminaram da herança do regime autoritário, colocam em dúvida a viabilidade do pacto social, confundido-o com um caótico processo assembleísta ou com um mero pedaço de papel recheado de boas intenções.
A democracia participativa promoveu em muitos países profundas mudanças, que tiveram um impacto muito positivo. Precisamos elevar nossa auto-estima, perceber que temos uma oportunidade histórica de dar uma guinada no nosso destino e que somos competentes e capazes de integrar o grupo de países campeões do desenvolvimento sustentável e da justiça social.


Oded Grajew, 58, é diretor-presidente do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, Conselheiro da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente e idealizador do Fórum Social Mundial.


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