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CLÓVIS ROSSI
Sobre Pinochet e a Plaza Itália
SÃO PAULO - O golpe do general
Augusto Pinochet foi minha primeira cobertura internacional. Tinha 30 anos, uma boa quilometragem em leituras sobre temas mundiais, sobretudo latino-americanos,
e experiência zero de rua (fiz a carreira ao contrário do usual: comecei
chefe, morrerei repórter).
Foi um choque. Brutal. Acho que
só quem viveu aqueles dias em Santiago é capaz de imaginar o grau de
violência, de ódio, de barbárie. Microcenas que me marcaram para a
vida: sangue nas águas do Mapocho,
o riozinho que banha a capital chilena, produto de cadáveres que ali
caíram (ou foram jogados); aquela
famosa cena da queima de livros,
coisa que parecia saída de velhos filmes do nazismo; o desespero de
pais e mães às portas do Estádio
Nacional, transformado em mega-prisão.
Inesquecível, embora irrelevante
para a história do golpe e do Chile,
era ficar vendo o semáforo na esquina do Palácio de La Moneda trocar de vermelho para verde, para
amarelo, de novo para vermelho,
amarelo, sem que um só carro, uma
só alma, por ali passasse durante o
período de toque de recolher.
Ao longe, o som de metralhadoras nas "poblaciones"; na cabeça, o
refrão de uma canção do Inti-Ilimani: "Están matando chilenos, ay que
haremos/ay que haremos?".
Não há comparação possível entre o Chile de 1973 e o Chile de hoje.
A democracia tem todos os defeitos
que quiserem, mas só quem viveu
uma ditadura entende suas belezas.
Falta, no entanto, borrar a fronteira
da Plaza Itália.
Salvador Allende, o presidente
constitucional que preferiu matar-se a render-se, dizia que ela, não
muito longe do Palácio de La Moneda, dividia o Chile entre a "gente
linda" (os ricos que moravam além-Plaza Itália) e a massa de pobres cor
de cobre.
A ditadura aprofundou o fosso. A
democracia conseguirá fechá-lo algum dia?
crossi@uol.com.br
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