São Paulo, quinta-feira, 13 de janeiro de 2005

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FERNANDO DE BARROS E SILVA

Desbunde nacional

SÃO PAULO - No finalzinho do ano, almoçando num dos restaurantes mais caros de São Paulo, um tucano dos graúdos comentava com ares de indignada satisfação como a turma do PT havia mudado. Referia-se ao novo-riquismo estampado, segundo dizia, até nos novos trajes da cúpula do governo: "Reparem nos ternos do Zé Dirceu... estão todos deslumbrados com o poder".
O comentário ilustra uma percepção a cada dia mais forte, que não é só dos tucanos: existe, se não um projeto, um conjunto de evidências de que Lula e seu entorno estão fazendo do exercício do poder um instrumento de ascensão social -deles próprios, não da maioria que em tese a vida toda pretenderam representar.
Quem assistiu ao documentário "Entreatos", sobre os bastidores da campanha presidencial, só não viu se não quis o quanto esse traço, digamos, arrivista, já estava lá, nos atos e palavras do candidato e de seu estafe. Estamos quase todos de acordo até aí. Ocorre que os tucanos estão -ou deveriam estar- moralmente desautorizados para falar em desbunde com o poder. Até segunda ordem, o caso deles é mais sério. Muitos chegaram a Brasília como bons professores e saíram de lá como excelentes banqueiros. Outros usaram o cargo como uma espécie de banco de milhagem para deslanchar suas carreiras internacionais. Elevador vip é isso.
Assim como a geração tucana de FHC, Lula parece confundir seu sucesso pessoal com o êxito do país. Sua ação, na verdade, ajuda a cavar um abismo intransponível entre uma coisa e outra. A seu modo, Lula vai mimetizando as engrenagens da velha desigualdade brasileira que um dia o PT teve a veleidade de atacar.
Isso, no entanto, não redime nem torna menos odioso o preconceito de classe dos que o vêem como um "parvenu", uma espécie de bicão na festa. A elite brasileira é assim: adora fazer seu churrasquinho à beira da piscina ao som de Zeca Pagodinho, mas não tolera quando o presidente-operário entra na roda pisando macio.


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