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FERNANDO DE BARROS E SILVA
Desbunde nacional
SÃO PAULO - No finalzinho do ano, almoçando num dos restaurantes
mais caros de São Paulo, um tucano
dos graúdos comentava com ares de
indignada satisfação como a turma
do PT havia mudado. Referia-se ao
novo-riquismo estampado, segundo
dizia, até nos novos trajes da cúpula
do governo: "Reparem nos ternos do
Zé Dirceu... estão todos deslumbrados com o poder".
O comentário ilustra uma percepção a cada dia mais forte, que não é
só dos tucanos: existe, se não um projeto, um conjunto de evidências de
que Lula e seu entorno estão fazendo
do exercício do poder um instrumento de ascensão social -deles próprios, não da maioria que em tese a
vida toda pretenderam representar.
Quem assistiu ao documentário
"Entreatos", sobre os bastidores da
campanha presidencial, só não viu se
não quis o quanto esse traço, digamos, arrivista, já estava lá, nos atos e
palavras do candidato e de seu estafe.
Estamos quase todos de acordo até
aí. Ocorre que os tucanos estão -ou
deveriam estar- moralmente desautorizados para falar em desbunde
com o poder. Até segunda ordem, o
caso deles é mais sério. Muitos chegaram a Brasília como bons professores
e saíram de lá como excelentes banqueiros. Outros usaram o cargo como
uma espécie de banco de milhagem
para deslanchar suas carreiras internacionais. Elevador vip é isso.
Assim como a geração tucana de
FHC, Lula parece confundir seu sucesso pessoal com o êxito do país. Sua
ação, na verdade, ajuda a cavar um
abismo intransponível entre uma
coisa e outra. A seu modo, Lula vai
mimetizando as engrenagens da velha desigualdade brasileira que um
dia o PT teve a veleidade de atacar.
Isso, no entanto, não redime nem
torna menos odioso o preconceito de
classe dos que o vêem como um "parvenu", uma espécie de bicão na festa.
A elite brasileira é assim: adora fazer
seu churrasquinho à beira da piscina
ao som de Zeca Pagodinho, mas não
tolera quando o presidente-operário
entra na roda pisando macio.
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